sábado, 23 de fevereiro de 2008

A Índia invade as minhas tardes...

Aprendi há muito tempo que não há melhor maneira de aprender do que dar uma boa aula. O professor que se dedica seriamente a ensinar, ou seja, aquele que se preocupa realmente em apresentar a matéria de uma maneira que seus alunos consigam entender o assunto, passa por um processo preparatório que é uma verdadeira catarse. Antes de dar um curso, ele mergulha totalmente no assunto, com uma profundidade muito maior do que aquela que será necessária para as aulas, de modo a ficar bem familiarizado com as informações. Assim, quando ele for apresentar a matéria aos alunos, sua mente poderá escolher diversos caminhos alternativos para abordar o tema - o que dá a ele a flexibilidade de ensinar da maneira à qual os alunos respondam com maior interesse.

Esse mergulho preparatório não acontece apenas durante o planejamento de um curso ou de um período de um curso, mas também se repete diariamente nas horas ou minutos que antecedem a aula. Às vezes me flagro consultando uma obra que está muito além do conteúdo previsto para o curso que estou dando, simplesmente porque ela pode oferecer algum "insight" que talvez enriqueça as aulas e estimule o interesse de meus alunos. Acredito que isto seja uma doença que acomete qualquer professor que esteja de fato intencionado para promover o aprendizado de seus pupilos.

O estudante de Yoga, Sânscrito ou de Cultura da Índia em geral é uma jóia preciosa, pois procura os cursos movido por um interesse autêntico por aprender. Não é justo frustar esse seu desejo e desperdiçar a imensa energia que ele coloca em seu esforço por entender informações que vieram de tão longe...

Mas meu foco, aqui, é revelar esse segredinho que os professores prazeirosamente confessam, com relação ao seu trabalho. O professor aprende muito mais do que os seus alunos, antes, durante e depois das aulas. Poderíamos até forçar um pouco mais o argumento e sugerir que o melhor professor pode estar sendo motivado por um profundo egoísmo, ao dar as suas melhores aulas - simplesmente porque ele estará desfrutando do maior benefício, e aprendendo muito mais do que está ensinando, enquanto seus alunos inocentemente se consideram os maiores beneficiários naquele momento. Isso quer dizer que os melhores cursos, pela perspectivas dos alunos, são máquinas de tranformar professores em gênios iluminados...

Pois é. Como eu sou um sujeito extremamente egoista, decidi preencher algumas tardes dando aulas sobre alguns assuntos de que gosto muito. E espero que você participe ou passe a informação adiante, pois assim estará me ajudando a criar condições para que eu mesmo me torne um verdadeiro iluminado. Veja os assuntos:

Desvendando os nomes dos asanas
Segundas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: dar ao aluno noções extensivas sobre o significado dos nomes de cada um dos asanas, bem como sua pronuncia e grafia corretos. Alguns outros termos da prática de Yoga também serão abordados no curso.
Duração: três módulos seqüenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Referência básica: "Manual das 84 Posturas"

Yantras e Mantras - ferramentas tântricas para o Yoga
Segundas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Oferecer introdução às técnicas de ativação do corpo e da mente por meio de diagramas mágicos (yantras) e do uso de mantras. Também será ministrado o suporte teórico e a inserção histórica dessas técnicas dentro da tradição do Hinduísmo. O participante aprenderá a utilizar essas ferramentas especialmente para sua prática de meditação.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.

Praticas divinatórias no Hinduísmo
Quintas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Apresentar um quadro geral e os conceitos mais importantes sobre algumas práticas divinatórias tradicionais em uso na Índia, com foco no Jyotishshastra (astrologia hindu). Serão discutidas as técnicas e as condições exigidas para esses procedimentos divinatórios, e o aluno será levado a testar por si mesmo as informações astrológicas obtidas pelo método antigo dos indianos.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.

Técnicas ancestrais de meditação
Quintas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: Apresentar de forma sistemática as mais importantes técnicas antigas para auxiliar o processo de meditação, com foco nas práticas indianas. O aluno poderá se servir das informações obtidas para estabelecer uma rotina de meditação adequada ao seu perfil pessoal, e estará capacitado para orientar seus próprios alunos sobre as alternativas existentes. Um diferencial deste curso é o esforço para tornar bastante claro o conceito de meditação. O que se pretende é que o aluno aprenda a praticar, com bom resultado, a meditação.
Duração: Um módulo de três meses - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila

O Yogavishaya de Minanatha - uma síntese do universo do Hatha Yoga
Um estudo dirigido em quatro aulas
Quintas-feiras das 14:00 às 15:30
Objetivo: Dar ao aluno uma visão completa, do conteúdo do texto sânscrito Yogavishaya, de Minanatha. Nessa pequena obra o fundador da linhagem Kaula, e celebrado mestre mítico de Gorakshanatha, faz uma abordagem breve de todo o cenário cultural que dá sustentação ao Hatha Yoga. Vamos abordar cada detalhe da obra estabelecendo conexões com outras obras da tradição do Yoga e da linhagem Natha.
Material de apoio: apostila com a tradução e outras referências.

Todos esses cursos são ministrados em São Paulo, cidade onde resido, no Instituto Narayana - cujo telefone é (11) 3826.5549.

Como você pode ver, cada vez mais a Índia invade as minhas tardes...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Falando Sânscrito

Agora que estou dedicado em tempo integral às minhas atividades envolvendo o Yoga, o Sânscrito e a Cultura da Índia, de uma maneira geral, acredito que será possível realizar um dos meus sonhos prediletos. Quero formar aqui em São Paulo uma pequena (ou grande) comunidade de falantes da língua Sânscrita.

Para quem pensa que o Sânscrito é uma língua morta, e que não é possível trazer o defunto de volta à vida, já informo que na Índia o "renascimento" (pratijanman) é uma crença comum, e eu aposto que também se aplicaria à linguagem sagrada das escrituras hindus. Mas tenho minhas razões para não compartilhar dessa crença de que o Sânscrito seja uma língua morta.

Em Rishikesh, em outubro de 2006, Acharya Yogendra Shastri, professor de Sânscrito e de Astrologia Védica na Universidade Hindu de Varanasi se apresentou para mim falando em Sânscrito. Percebi sua extraordinária fluência nessa língua e expliquei para ele minha dificuldade em encontrar parceiros de conversação por aqui. Fiquei surpreso, no entanto, ao saber que ele convive com diversos colegas igualmente fluentes em Sânscrito. De fato, toda a formação escolar de Yogendra foi ministrada em Sânscrito (inclusive matemática, história, geografia, etc.). O Sânscrito era a língua em que ele conversava com seus colegas de aula, o dia todo. Não é de se estranhar a familiaridade que ele demonstrou com essa linguagem. Na verdade, ele só fala em Sânscrito e Hindi (e prefere o Sânscrito...).

Tal como o professor Yogendra, com quem eu só podia conversar em Sânscrito (já que não aprendi ainda o Hindi), milhares de outras pessoas utilizam o Sânscrito regularmente, e de forma utilitária, em suas conversações diárias. Segundo eles, há assuntos que só podem ser corretamente compreendidos em Sânscrito, devido à riqueza semântica de seu vocabulário.

É claro que, quando falo de implantar uma comunidade sânscrita por aqui, se trata de uma proposta difícil de se colocar em prática, uma vez que depende da disposição e da disciplina de um certo número de pessoas que, possivelmente, também estarão pressionadas por outras prioridades em sua vida diária. O próprio alfabeto Devanagari, do qual o Sânscrito se serve para o registro escrito, é ensinado para todas as crianças na Índia, por ser o mesmo que se emprega para escrever na língua oficial do Governo da Índia, o Hindi. Já quem se interessa pelo Sânscrito, no Brasil, começa literalmente como um completo analfabeto.

Mas creio que a tentativa vale a pena.

Se você está se perguntando "para quê alguém por aqui iria querer falar em Sânscrito?" já te adianto que minha resposta é bastante simples: não faço a menor idéia. Talvez minha fé na loucura humana seja tanta que eu acabo acreditando nessas pequenas impossibilidades. Ou então, talvez eu veja que a grande disseminação do Yoga está criando ou ampliando esse interesse entre os praticantes. Ou ainda, mais provavelmente, já ouvi tantas pessoas me dizendo que gostariam muito de poder falar em Sânscrito que acabei acalentando essa proposta maluca de uma comunidade de falantes.

A idéia não é nova. Os indianos vêm promovendo acampamentos para conversação em Sânscrito em lugares tão distantes da Índia quanto o Canada, os EUA, a Alemanha e a Inglaterra. Um movimento de restauração do Sânscrito como língua falada (ainda que alguns afirmem que ela jamais o foi) se organizou na Índia, em Bangalore (Karnataka) e vem se espalhando pelos países em que há maior concentração de migrantes indianos. Esse movimento pode ser encontrado na Internet no endereço Sanskrita Bharati, que traz informações sobre suas atividades.

No momento estou ensaiando o método em meus cursos no Centro de Estudo de Yoga Narayana, e tenho obtido alguns resultados animadores. Também estou dando continuidade à produção da série de DVDs "Sânscrito Vivo", interrompida por um ano inteiro em razão de compromissos profissionais conflitantes. pretendo publicar o segundo volume (de dez previstos) até o início de Março.

E assim, quem sabe, de passo em passo, meu velho sonho do Sânscrito falado começa a ganhar um pezinho firme no mundo da nossa dura realidade...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Riqueza e miséria

Há um fenômeno curioso que se passa com quem visita a Índia. O viajante que ali aporta experimenta, em um prazo muito curto, uma paixão muito intensa ou uma aversão insuportável em relação àquele país. Difícil saber a razão, mas difícil também encontrar alguém que simplesmente não se importe com a Índia, depois de conhecê-la.
É claro que cada um terá suas razões pessoais para explicar os sentimentos que experimenta. Um foi até lá iludido por folhetos de turismo, e se ofendeu com a pobreza de grande parcela da população indiana. Sonhou com os palácios das histórias de Aladin e acordou numa palafita de mangue. Outro foi em busca de um mestre espiritual e encontrou mestres e deuses em profusão, num território dominado pela mística e pela religiosidade.
Para quem enxergou a pobreza, chamo a atenção para o que segue. A população indiana é muito grande - mais de um bilhão de pessoas para dividir o bolo modesto oferecido pela economia nacional. Não há distribuição de renda que melhore a situação econômica de tanta gente. No entanto, existe uma diferença de qualidade entre a pobreza que conhecemos no Brasil e a pobreza que encontramos na Índia: o pobre brasileiro gostaria de ser rico; e o indiano não se importa.
A Tradição é o grande diferencial dos indianos em relação à nossa população. A Índia traça suas origens a mitos que apontam para datas de milhares ou até milhões de anos atrás. O Brasil começa a contar a sua história a partir de 1822, com Dom Pedro I. Nem mesmo o período colonial é incluido em nossa memória histórica - nós simplesmente ignoramos o que antecedeu a Independência, como se fosse um período obscuro e tumultuado de nossa civilização brasileira.
Nós lamentamos a nossa pobreza sentados sobre um barril de puro ouro. Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir, considerando que a maior riqueza de um povo não se mede pelo "produto interno bruto", mas pela cultura que ele for capaz de assimilar e preservar. Ao dar as costas para nosso passado lusitano e celta sacrificamos a grande riqueza dos milênios em favor de uma breve memória contemporânea construída sem qualquer alicerce.
O pobre indiano sorri para o visitante estrangeiro movido por uma autêntica felicidade. Ele sabe que muitos de nós estamos ali para admirar a riqueza que cada um deles está ajudando a proteger - pois a cultura só permanece se for vivida em sua totalidade. Por isso eu vejo os pobres indianos como o "Tio Patinhas" das histórias em quadrinhos, deliciosamente mergulhado em suas moedas, dentro da caixa-forte, enquanto os economistas debatem teses acerca de possíveis soluções para a sua miséria.
Ah, como seria bom que o Brasil fosse acometido desse mesmo "flagelo" que açoita as populações pobres da Índia...