sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Riqueza e miséria

Há um fenômeno curioso que se passa com quem visita a Índia. O viajante que ali aporta experimenta, em um prazo muito curto, uma paixão muito intensa ou uma aversão insuportável em relação àquele país. Difícil saber a razão, mas difícil também encontrar alguém que simplesmente não se importe com a Índia, depois de conhecê-la.
É claro que cada um terá suas razões pessoais para explicar os sentimentos que experimenta. Um foi até lá iludido por folhetos de turismo, e se ofendeu com a pobreza de grande parcela da população indiana. Sonhou com os palácios das histórias de Aladin e acordou numa palafita de mangue. Outro foi em busca de um mestre espiritual e encontrou mestres e deuses em profusão, num território dominado pela mística e pela religiosidade.
Para quem enxergou a pobreza, chamo a atenção para o que segue. A população indiana é muito grande - mais de um bilhão de pessoas para dividir o bolo modesto oferecido pela economia nacional. Não há distribuição de renda que melhore a situação econômica de tanta gente. No entanto, existe uma diferença de qualidade entre a pobreza que conhecemos no Brasil e a pobreza que encontramos na Índia: o pobre brasileiro gostaria de ser rico; e o indiano não se importa.
A Tradição é o grande diferencial dos indianos em relação à nossa população. A Índia traça suas origens a mitos que apontam para datas de milhares ou até milhões de anos atrás. O Brasil começa a contar a sua história a partir de 1822, com Dom Pedro I. Nem mesmo o período colonial é incluido em nossa memória histórica - nós simplesmente ignoramos o que antecedeu a Independência, como se fosse um período obscuro e tumultuado de nossa civilização brasileira.
Nós lamentamos a nossa pobreza sentados sobre um barril de puro ouro. Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir, considerando que a maior riqueza de um povo não se mede pelo "produto interno bruto", mas pela cultura que ele for capaz de assimilar e preservar. Ao dar as costas para nosso passado lusitano e celta sacrificamos a grande riqueza dos milênios em favor de uma breve memória contemporânea construída sem qualquer alicerce.
O pobre indiano sorri para o visitante estrangeiro movido por uma autêntica felicidade. Ele sabe que muitos de nós estamos ali para admirar a riqueza que cada um deles está ajudando a proteger - pois a cultura só permanece se for vivida em sua totalidade. Por isso eu vejo os pobres indianos como o "Tio Patinhas" das histórias em quadrinhos, deliciosamente mergulhado em suas moedas, dentro da caixa-forte, enquanto os economistas debatem teses acerca de possíveis soluções para a sua miséria.
Ah, como seria bom que o Brasil fosse acometido desse mesmo "flagelo" que açoita as populações pobres da Índia...

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