quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Falando Sânscrito

Agora que estou dedicado em tempo integral às minhas atividades envolvendo o Yoga, o Sânscrito e a Cultura da Índia, de uma maneira geral, acredito que será possível realizar um dos meus sonhos prediletos. Quero formar aqui em São Paulo uma pequena (ou grande) comunidade de falantes da língua Sânscrita.

Para quem pensa que o Sânscrito é uma língua morta, e que não é possível trazer o defunto de volta à vida, já informo que na Índia o "renascimento" (pratijanman) é uma crença comum, e eu aposto que também se aplicaria à linguagem sagrada das escrituras hindus. Mas tenho minhas razões para não compartilhar dessa crença de que o Sânscrito seja uma língua morta.

Em Rishikesh, em outubro de 2006, Acharya Yogendra Shastri, professor de Sânscrito e de Astrologia Védica na Universidade Hindu de Varanasi se apresentou para mim falando em Sânscrito. Percebi sua extraordinária fluência nessa língua e expliquei para ele minha dificuldade em encontrar parceiros de conversação por aqui. Fiquei surpreso, no entanto, ao saber que ele convive com diversos colegas igualmente fluentes em Sânscrito. De fato, toda a formação escolar de Yogendra foi ministrada em Sânscrito (inclusive matemática, história, geografia, etc.). O Sânscrito era a língua em que ele conversava com seus colegas de aula, o dia todo. Não é de se estranhar a familiaridade que ele demonstrou com essa linguagem. Na verdade, ele só fala em Sânscrito e Hindi (e prefere o Sânscrito...).

Tal como o professor Yogendra, com quem eu só podia conversar em Sânscrito (já que não aprendi ainda o Hindi), milhares de outras pessoas utilizam o Sânscrito regularmente, e de forma utilitária, em suas conversações diárias. Segundo eles, há assuntos que só podem ser corretamente compreendidos em Sânscrito, devido à riqueza semântica de seu vocabulário.

É claro que, quando falo de implantar uma comunidade sânscrita por aqui, se trata de uma proposta difícil de se colocar em prática, uma vez que depende da disposição e da disciplina de um certo número de pessoas que, possivelmente, também estarão pressionadas por outras prioridades em sua vida diária. O próprio alfabeto Devanagari, do qual o Sânscrito se serve para o registro escrito, é ensinado para todas as crianças na Índia, por ser o mesmo que se emprega para escrever na língua oficial do Governo da Índia, o Hindi. Já quem se interessa pelo Sânscrito, no Brasil, começa literalmente como um completo analfabeto.

Mas creio que a tentativa vale a pena.

Se você está se perguntando "para quê alguém por aqui iria querer falar em Sânscrito?" já te adianto que minha resposta é bastante simples: não faço a menor idéia. Talvez minha fé na loucura humana seja tanta que eu acabo acreditando nessas pequenas impossibilidades. Ou então, talvez eu veja que a grande disseminação do Yoga está criando ou ampliando esse interesse entre os praticantes. Ou ainda, mais provavelmente, já ouvi tantas pessoas me dizendo que gostariam muito de poder falar em Sânscrito que acabei acalentando essa proposta maluca de uma comunidade de falantes.

A idéia não é nova. Os indianos vêm promovendo acampamentos para conversação em Sânscrito em lugares tão distantes da Índia quanto o Canada, os EUA, a Alemanha e a Inglaterra. Um movimento de restauração do Sânscrito como língua falada (ainda que alguns afirmem que ela jamais o foi) se organizou na Índia, em Bangalore (Karnataka) e vem se espalhando pelos países em que há maior concentração de migrantes indianos. Esse movimento pode ser encontrado na Internet no endereço Sanskrita Bharati, que traz informações sobre suas atividades.

No momento estou ensaiando o método em meus cursos no Centro de Estudo de Yoga Narayana, e tenho obtido alguns resultados animadores. Também estou dando continuidade à produção da série de DVDs "Sânscrito Vivo", interrompida por um ano inteiro em razão de compromissos profissionais conflitantes. pretendo publicar o segundo volume (de dez previstos) até o início de Março.

E assim, quem sabe, de passo em passo, meu velho sonho do Sânscrito falado começa a ganhar um pezinho firme no mundo da nossa dura realidade...

Um comentário:

samskrita-vatsalaah disse...

Querido Carlos Eduardo,

Não acredito que seja possível ressuscitar o sânscrito por uma simples razão: ele jamais esteve morto, embora seus falantes pertençam a uma elite na Índia. Uma tentativa bem sucedida semelhante aconteceu na segunda metade do século desenove para ressuscitar o hebraico, o qual estava confinado à condição de língua literária há milênios. Curiosamente, em virtude disso, percebe-se pouca diferença entre o hebraico literário e o hebraico falado na contemporaneidade.
Pode contar comigo.
Bhadram te!
Esperando encontrá-lo bem,
Sergio (Mukunda Das)