domingo, 13 de julho de 2008

Um mundo sem fronteiras

Hoje pela manhã fui tomado por um sentimento misto de felicidade e tristeza ao acompanhar minha filha Susan ao aeroporto. Aos vinte anos, ela está iniciando uma nova fase de sua vida em São Francisco, na California. Vai encarar o mundo de frente e mostrar sua capacidade de se dar bem, mesmo estando geograficamente longe de sua família.

Esse momento pessoal evocou em meu coração a sensação que tive ao chegar pela primeira vez à Índia, mais precisamente em Nova Delhi, e sentir que continuava em casa. É uma experiência indescritível essa que nos acomete quando identificamos nosso lar e nossa pátria em lugares distantes. O mundo num instante se torna pequenininho e as sombras enigmáticas do "desconhecido" o abandonam, cada vez mais, a cada nova viagem.

Mas ao longo de minha vida pude também testemunhar alguns casos em que o viajante foi colhido por uma profunda sensação de "desencaixe", que só poderia ser curada pelo seu retorno ao lar. "Home sickness", ou saudades do lar, é como uma tontura que abala nosso coração - quase como se de repente nos faltasse o oxigênio, ou como se nos restasse apenas o suficiente para fazer o caminho de volta, sem demora.

Tive a oportunidade ainda de conhecer pessoas que simplesmente não se permitem sentir-se à vontade fora de seu país ou de sua casa porque sua mente inquieta bloqueia qualquer sentimento de agrado por quaisquer lugares que não sejam seu lar e seu país de origem. Imagino que isso tenha a ver com valores intelectuais - ideologias - e que esteja completamente desconectado de sentimentos verdadeiros. Essa é uma condição que eu chamaria de "mórbida", do tipo que fundamenta os nacionalismos políticos, e anda sempre acompanhada de justificativas elaboradas nas quais se constrói a idéia de superioridade ou de "exclusividade proprietária", uma idéia dotada de uma força que atrai e envolve cada componente da comunidade.

Quem sai de casa com o coração aberto, por outro lado, sente felicidade por estar onde quer que esteja. Sua família é a Humanidade e sua pátria é o mundo inteiro. Isso só pode acontecer para alguém sincero, que carrega consigo mesmo valores universalmente aplicáveis que mostram seu colorido pessoal em qualquer paisagem que o cerque. O indivíduo autêntico não se esconde sob bandeiras nacionais nem se revela apenas dentro de grupos que compartilham um perfil determinado. Ele é o mesmo em qualquer lugar e em qualquer companhia - e por isso desfruta da felicidade de se sentir bem em quaisquer circunstâncias. Mesmo que as pessoas ao seu redor sejam muito diferentes, ele ainda asssim se sente um igual, e se comporta como um igual.

As fronteiras nacionais são convenções sociais que só podem existir no papel. Quando elas se incorporam à alma das pessoas, o mundo se torna estranhamente hostil. A Humanidade deveria procurar uma vacina contra os sentimentos nacionalistas. Deveria banir essas barreiras que exigem que uma pessoa natural peça autorização para poder transitar em não importa que lugar do mundo natural. Não é correto, não é justo, não é humano - é apenas um produto da razão humana enlouquecida pelo egoismo, mas se tornou uma doença que hoje afeta toda a Humanidade.

As fronteiras nacionais, embora perfeitamente justificadas pelo entendimento de que o ser humano é um perigo em potencial para a comunidade humana, pecam justamente por funcionar como agentes de reforço de ódios alimentados politicamente. Onde existe uma fronteira se manifesta uma supervalorização daquilo que está para o lado de cá, e um grande desprezo pelo que se estende além desses limites imaginários. É como se a Natureza funcionasse diferente de cada um dos lados dessa divisa, e fosse deficiente apenas do lado de fora. As fronteiras são os traços fisionômicos que identificam cada uma das guerras que a Humanidade tem para se arrepender.

Fronteiras nacionais fazem mal ao coração do ser humano autêntico. Elas são contrárias ao espírito do yoga e contradizem também a crença na igualdade de todo ser humano. Onde quer que a Paz tenha se instalado, as fronteiras deixaram de fazer sentido e acabaram caindo no esquecimento. O fato de ainda existirem fronteiras no mundo, apesar de todo o gradual amadurecimento do espírito ambientalista e das campanhas contra a violência, mostra que o o planeta humano ainda está muito doente, e talvez ainda bem longe da cura. A cura depende de uma providência impossível de se determinar por convenções, leis ou decretos. É necessário que cada indivíduo, como pessoa natural que é, remova de seu coração essas barreiras não-naturais.

Quando cada um de nós perceber o estrangeiro e o diferente como um compatriota e um igual, não haverá mais razão para dar nomes aos países ou nacionalidades. Não fará o menor sentido exigir um passaporte ou qualquer outro título de vinculação social para assegurar a uma pessoa humana seu inalienável direito à liberdade e ser e viver, de se mover e interagir - em qualquer lugar e com quem quer que seja.

Minha filha hoje foi para o outro lado da cerca, milhares de quilometros para longe de sua família. Como sei que não alimentamos barreiras em seu coração, fico feliz porque ela estará em casa, onde quer que esteja - e poderá desfrutar da suprema felicidade de se realizar como ser humano, e fazer de cada nova amizade um membro adicional para nossa grande família.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Tatuagens em Sânscrito

Pessoalmente não tenho nada contra fazer uma tatuagem. Não faria, mas aprecio essa arte que deve ser tão antiga quanto a própria Humanidade. E é natural, também, que os "tatuandos" tenham o desejo de grafar alguma coisa em seu corpo com o alfabeto Devanagari - aquele que se usa para escrever em Sânscrito. Digo isso porque toda hora recebo alguma mensagem pedindo tal ou qual palavra ou frase para alguém se tatuar "em Sânscrito". E que me perdoem os consulentes, mas raramente tenho tempo para responder a essas consultas.

Como transito no ambiente de praticantes de yoga, tem sido freqüente encontrar algum braço ou ombro tatuado com dizeres grafados em Devanagari (o alfabeto). Não faço comentários sem ser solicitado, mas vou confessar que me espantam algumas barbaridades que as pessoas deixaram gravar em sua pele - possivelmente sem ter consciência do que estavam escrevendo.

Vamos esclarecer. Não tenho nada a dizer quanto ao conteúdo dos grafismos, que são assunto da conta apenas de quem solicita a tatuagem. Mas nunca soube de algum tatuador que tivesse estudado o Sânscrito ou que estivesse familiarizado com o alfabeto Devanagari. Isto significa que os clientes, muito provavelmente, estão levando para o tatuador o "desenho" da palavra ou frase que querem grafar em seu corpo. E mais provavelmente ainda, estão solicitando de alguma outra pessoa o modelo para levar ao tatuador. É como uma corrente. O tatuador não sabe, e então pede ao cliente que já leve pronto. O cliente também não sabe, e então faz uma busca na Internet para tentar achar quem possa escrever um nome no alfabeto Devanagari ou uma palavra ou duas da língua sânscrita mesmo.

E então o infeliz encontra alguém que diz que sabe - e às vezes até pede uma grana para fazer o trabalho - mas na verdade não sabe. O desconhecimento de um, aliado à ousadia do outro que também não conhece, mas diz que conhece, produz as barbaridades às quais me referi. São palavras grafadas de maneira completamente errada impressas em caráter permanente (pois sua remoção é difícil e envolve um sofrimento muito maior que a gravação) na fachada corporal de uma beldade que passeia por aí, com muito orgulho. Não há dinheiro mais mal gasto do que esse...

A conclusão inevitável é que não vale a pena tatuar na pele algum grafismo que não temos certeza de estar corretamente desenhado. Alguém certa vez disse a uma estudante de arquitetura, em Mogi das Cruzes, que restaurantes chineses costumavam escrever provérbios de Confúcio nas beiradas dos cardápios. Disposta a exibir uma frase bonita, visitou um desses estabelecimentos e copiou cuidadosamente alguns ideogramas que enfeitavam os cantos do cardápio, sob o olhar curioso dos garçons. A sua sorte foi que ela não tatuou, mas apenas pintou em um quimono que exibia orgulhosa pelos corredores da faculdade, até cruzar com um estudante chinês, que depois de rir muito explicou para ela o que ela havia escrito, na língua de Confúcio: "este é um prato muito gostoso e bastante barato". O que mais se pode esperar de uma frase impressa num cardápio?

Aviso aos tatuantes: restaurantes indianos não colocam mantras nos cardápios! E pesquisar no Google pode não ser a melhor maneira de encontrar um bom tradutor de Sânscrito. Na verdade é a maneira mais rápida de conseguir o contato errado. O sujeito que poderia resolver o desenho de sua tatuagem nem tem um site para tratar desse assunto. Mas o não-tradutor que se diz tradutor tem presença garantida nos links de resposta de sua busca, exibindo sem pudor nenhum suas obras, como se estivessem todas corretas.

Quando o tatuado descobre que escreveu besteira em si mesmo - e acreditem, essa descoberta é muito rara pois quase ninguém entende Sânscrito por aqui - sua primeira reação é procurar um culpado. O tatuador não é, pois ele apenas reproduziu o desenho, com muita habilidade artística e algumas "firulas" para dar um toque especial à obra. O farsante que vendeu o desenho nunca deu uma garantia, e terá uma lista de argumentos incompreensíveis para dizer que estava certo o que escreveu, alegando talvez que até mesmo indianos o consultam para aquela tarefa. O mico, portanto, vai ficar mesmo com quem carrega a "tosca" tatuagem - e que vai torcer para que ninguém mais perceba que seu sonho de consumo se tornou um pesadelo oriental.

Fica aqui o conselho, portanto, que vale como prevenção contra males maiores: quer fazer uma tatuagem em Sânscrito? Então faça. Mas assegure-se de que está escrevendo a coisa certa. Consulte um especialista de verdade, e não um oportunista. Dezenas de pessoas estudaram Sânscrito a sério e podem te dar uma boa orientação sobre a grafia de sua tatuagem. Se é uma marca definitiva em seu corpo, e você está pagando para fazê-la, então pague um pouco mais para que seja elaborada por um profissional do Sânscrito.

No Yogaforum coloquei uma coluna com links para alguns profissionais que trabalham com o Sânscrito. São pessoas que estudaram a língua em nível superior ou em cursos ministrados por instrutores sérios (daqui ou da Índia), e que são pagos para dar aulas de Sânscrito. Não sei se algum deles teria disponibilidade para pegar esses pequenos serviços de "consultoria para tatuagens", mas certamente é um bom lugar para começar sua pesquisa.

Como prova de minha solidariedade para com os aspirantes a uma tatuagem em Devanagari, vou fazer uma promessa digna de ano eleitoral. Prometo levantar quem são as pessoas capacitadas que se disporiam a dar orientação aos tatuadores e seus clientes, para que uma decisão tão importante como a de estampar uma tatuagem desse tipo fique livre do risco de uma fraude. E assim que essa informação estiver pronta publico aqui mesmo ou no Yogaforum. Até lá vale a recomendação de muita cautela, e de checar em mais de uma fonte se está certo o desenho que vai cicatrizar em você.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Olá. Como vai?

Pois é. O Yogaforum está no ar (www.yogaforum.org) e já me dei conta do volume imenso de trabalho que terei ainda até que uma rotina de alimentação de conteúdo se estabeleça. Todo o foco de meu esforço, até o momento, vinha sendo o de preparar o melhor ambiente virtual e conteúdo para os visitantes do site. Mas... que visitantes?

Há muitos anos eu trabalhei na área de publicidade. Naquele tempo não havia Internet, e o conceito de virtualidade só era discutido nas aulas de física ("virtual" era a natureza das imagens refletidas em um espelho). Então, quando montávamos um plano de mídia, nosso alvo eram pessoas de carne e osso, e não "avatares" de algum meta-espaço.

Mas os tempos são outros e precisamos nos conformar às novas regras de comunicação. Este blog é um exemplo de como a nova ordem possibilita uma conversa informal com um visitante virtual de minha página. Olá. Como vai?

Qualquer um pode entrar e sair do Yogaforum. Um surfista de Internet que acidentalmente desemboca por ali, pode dar uma olhada casual e seguir seu fluxo desinteressado. Um tarado pode fuçar por ali atrás de fotos de mulher pelada, e um outro pode estar procurando sugestões para uma balada. A Internet tem o piso escorregadio, e ao menor descuido estamos entrando em espaços que nada têm a ver com a gente.

Mas quando eu me debruçava sobre os rascunhos desse forum virtual, eu não via nenhum desses inúmeros visitantes casuais. Será que eu não deveria me preocupar com eles, também? Há algum tempo eu costumava dizer que nada acontece verdadeiramente por acaso. Até um acidente de navegação pode ter um propósito que nossa percepção não alcança. E então a navegação se torna mística e, quem sabe até iluminadora...

Os povos antigos costumavam dizer que os jogos de azar são para os homens, e que os deuses não jogam dados. Mas caberia perguntar, diante da imensa arquitetura telemática sobre a qual se apóia a maior parte da civilização, hoje: será que Deus navega por esses mares da Internet? Ele poderia ser o responsável por tornar essas avenidas digitais tão reais e atraentes para o cidadão beneficiário da inclusão digital. Talvez ele tenha descoberto que jamais em toda a história religiosa da Humanidade um deus foi tão adorado e cultuado quanto a Internet o é, agora.

Então, fazendo essas reflexões, me sinto muito mais confortado por saber que ao construir o Yogaforum posso ter, simplesmente, atendido a um desígnio divino. E que talvez não me caiba a preocupação acerca de quem vai visitar o meu site - e se tem ou não tem o perfil para o qual ele foi concebido. Movidos pelas forças divinas, os internautas casuais simplesmente vão desfrutar de uns instantes de imersão por ali, e em seguida, sem qualquer constrangimento vão, com um clique a mais, fechar a janela e seguir viagem. Boa viagem, então.

Para aqueles poucos que, diferentes dos casuais, encontrarem ali algum conforto para suas expectativas, peço a gentileza de me presentear com sua opinião, e com muita sinceridade. Pois esse é o momento do trabalho na Internet em que ficamos finalmente diante de uma pessoa por inteiro - ainda que a uma considerável distância virtual. O mundo da Internet repousa sobre uma superfície insegura e escorregadia, onde só se mantém firme quem tem uma opinião bem articulada, na qual possa se apoiar.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Minha web para o Sânscrito, finalmente!

Parece brincadeira, mas quando tive a idéia de construir um site pautado pelo Sânscrito e com foco no Yoga, há quase sete anos, não pensei que demoraria tanto tempo para colocá-lo no ar. Foi uma longa gestação, mas finalmente minhas novas rotinas estão se ajustando às minhas antigas aspirações, e o resultado não poderia ser melhor. Em poucos dias estará no ar o site "yogaforum.org" com informações e notícias sobre temas culturais indianos.


A idéia surgiu quando organizei o fórum em defesa da independência do Yoga, que aconteceu em setembro de 2001, no salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo. A data do evento se tornou inesquecível, pois foi no dia seguinte ao do ataque terrorista que derrubou as torres do World Trade Center de Nova Iorque. Em 12 de setembro de 2001, enquanto o mundo tentava entender a tragédia nova-iorquina, estavamos reunidos para manifestar nossa convicção sobre a independência do Yoga - contra a despropositada tentativa (ainda em curso) dos conselhos de classe da Educação Física de tomar para si o controle sobre essa prática tradicional indiana.


Éramos poucos, cerca de trezentas e cinquenta pessoas presentes, mas éramos diversificados e expressivos como representação das variadas formas assumidas pelo Yoga por aqui. Maria Helena de Bastos Freire, De Rose, Hermógenes, Cláudio Duarte, Anna Ivanov, estavam compondo a mesa, presidida pelo então vereador Marcos Zerbini. Outros tantos manifestaram seu apoio prestigiando o evento e assinando um manifesto em favor da independência do Yoga.

Esse evento foi concebido para ter o formato de um forum - um encontro de opiniões distintas integradas por interesses comuns. Ali mesmo me ocorreu a idéia de que seria interessante dar continuidade à iniciativa criando um território virtual para ela na Web.

Busquei um nome para o domínio, e o "yogaforum.org" estava disponível. Perfeito. Só faltava então montar o site e colocá-lo no ar...

Apesar de só ter saido dos rascunhos seis anos e meio mais tarde, ele surge com o mesmo entusiasmo que me motivou no início. Porém, diferente da proposta original, o Yogaforum agora deixa de tratar com exclusividade do assunto "yoga" e mergulha um pouco mais a fundo no oceano da Cultura Sânscrita. Ao final de 2006, quando fiz o lançamento experimental do primeiro volume do curso de Sânscrito em DVD, decidi utilizar o servidor "yogaforum.org" como base de distribuição da documentação complementar para cada um dos volumes da coleção. De fato, um selo "ॐ yogaforum.org - Living Sanskrit" já aparece estampado na capa daquele material, embora o site, naquele momento, tenha operado por um breve período apenas, de forma experimental.

Mas ainda que tenha levado tanto tempo para nascer, posso dizer que agora ele está ficando com a cara que eu gostaria que ele tivesse. Nestes últimos dias tenho trabalhado na programação das rotinas de atualização do conteúdo e, embora ciente de que é difícil agradar a todos, creio que estou chegando a uma solução bastante satisfatória para apresentação de informações de interesse dos aficionados pelas culturas da Índia.

Em tempo: como preciso dos anunciantes para ajudar a dar conta do custo desse site, procurei estabelecer alguns filtros para a publicidade - de modo que ela seja útil e esteja naturalmente integrada na experiência de navegação do internauta que apareça por ali.

Então é isso. Agora você ja sabe o endereço (http://www.yogaforum.org/), e está convidado a fazer uma visita nesses próximos dias, a partir de 1º de maio, para explorar o conteúdo (que estará mais rico a cada semana que passa), e dizer um "alô" para aquele anunciante que tiver algo de interessante para te oferecer. E não se esqueça de me dar um retorno para dizer qual foi sua impressão ao passar pelo Yogaforum virtual.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Literatura tântrica

Para quem gosta de conhecer mais e melhor aqueles segredos místicos das Culturas da Índia, aqui vai uma dica. No mês de julho, dias 19 e 20 (um final de semana) estarei ministrando um curso sobre uma obra curiosa da literatura tântrica. As informações seguem abaixo. O texto foi escrito originalmente em Sânscrito e é muito interessante - mesmo.

O Yogavishaya de Minanatha
Uma Síntese do Universo do Hatha Yoga

Esta obra surpreendente, de autoria atribuída a Minanatha fundador mítico da linhagem tântrica Kaula, se propõe a elucidar a visão Natha sobre o Yoga em apenas 33 linhas de texto. Longe de decepcionar o leitor atento, no entanto, seu autor usa a linguagem cifrada do Tantra para desafiá-lo a fazer a descoberta de uma vida. Seu título sânscrito, “Yogavishaya”, significa “o objeto do Yoga”, ou seja, é uma obra que tem a pretensão de revelar o caminho secreto que os Nathas deveriam trilhar para realizar essa prática. É esse segredo dos criadores do Hatha Yoga que o autor sugere estar oculto por trás de cada palavra desse documento. Para que ele apareça, sua leitura precisa mergulhar para muito além das enigmáticas palavras que enxergamos em sua superfície.

Minanatha, ou Matsyendranatha, teria sido supostamente o guru de Gorakshanatha, mas também foi o inspirador da escola tântrica Pratyabhijña, da qual fazia parte Abhinavagupta, criada na Cachemira décadas antes do surgimento do Hatha Yoga.

Duração: Um final de semana.
Dias 19 e 20 de julho de 2008, das 9:00 às 17:00
R$ 150,00
Material de apoio: apostila
Local: Centro de Estudos de Yoga Narayana. Tel.: (11) 3826.5549

sexta-feira, 28 de março de 2008

Um nome espiritual

Meu bom amigo Luís de Araújo, editor do jornal "O Aprendiz", de Ribeirão Preto, me pediu para escrever algumas palavras sobre o assunto nome espiritual. Provavelmente está preparando alguma matéria para o seu jornal - que diga-se de passagem, tem levado muita inspiração para os buscadores daquela região. Decidi, então, compartilhar com vocês, os leitores que não são de Ribeirão, a reflexão que mandei para ele.

Aqui vai:

Um nome é uma palavra usada para chamamento que identifica um indivíduo em meio a uma coletividade. O nome sempre foi considerado um elemento importante da vida de uma pessoa, e a escolha do nome é uma tarefa árdua para os pais. Em geral eles acabam procurando uma solução que seja simples e justificável, como uma homenagem a um parente, ou a um personagem famoso ou bem sucedido, ou ainda a um santo, um anjo ou outra figura mítica ou religiosa.

No entanto nunca se sabe, ao escolher o nome, se aquela criança, no futuro, ficará satisfeita com o nome que recebeu. O nome pode evocar referências pouco condizentes com sua personalidade ou aparência - ou simplesmente pode parecer, de alguma maneira, inexpressivo como referência àquela determinada pessoa - ou seja, ela se apresenta e as pessoas respondem "você não tem cara de quem tem esse nome". Isso decorre do fato do nome se vincular à personalidade e à aparência das pessoas, e não necessariamente evocar a sua natureza verdadeira, que poderíamos chamar de "identidade espiritual".

A idéia de se encontrar um nome capaz de evocar a verdadeira pessoa que se oculta por trás da personalidade transitória é bastante antiga. Esse seria o nome perfeito, sem qualquer sombra de dúvida. Em diversas civilizações do presente e do passado existiu essa intenção de encontrar alguma maneira de atribuir um nome perfeito para cada ser humano: o nome espiritual. E a solução encontrada quase sempre implicou na atribuição de um nome mundano que a criança carregaria até a adolescência, quando receberia um novo nome ao passar por um rito de iniciação na vida adulta. Dessa forma, seria possível identificar pelos traços já visíveis de seu temperamento qual seria o nome mais adequado para designar o espírito oculto sob a aparência daquele determinado indivíduo.

Na Índia, o nome espiritual é escolhido pelo "guru", o preceptor espiritual da família, e esse nome é mantido em segredo pelo adolescente ou adulto que o recebe. Acredita-se que tem o valor e a força de um "mantra", capaz de evocar as melhores qualidades da pessoa, quando pronunciado com boas intenções. Daí a opção por mantê-lo em segredo, longe dos lábios invejosos de possíveis adversários. Essa prática de atribuição de um nome espiritual iniciático foi adotada também por organizações espiritualistas de todo o mundo, tentando seguir o rastro de nossos sábios antepassados.

A sociedade ocidental contemporânea, no entanto, de uma forma geral não oferece mais esse mecanismo de um "batismo " espiritual, e por essa razão, o máximo que conseguimos é um apelido horroroso, que apenas faz justiça à opinião de quem só tem olhos para os nossos defeitos.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Deixe cair a ficha...

Poucas coisas são mais gratificantes do que um belo "insight". Aqueles momentos em que as idéias, que antes estavam confusas, num repente se encaixam perfeitamente, como num passe de mágica, e nos dão a felicidade da perfeita compreensão de seu sentido. É algo tão delicioso que queremos compartilhar com todo mundo.

Mas é justamente aí que surge o problema. O "insight" é uma experiência absolutamente pessoal e dificilmente surge de um modo que possa ser transferido ou compartilhado com outra pessoa. Esse é o seu charme e a sua maldição - ele é o resultado de uma atitude de busca ativa. Não pode ser recebido passivamente de alguém que desfrutou dele anteriormente.

Mesmo assim, ficamos ansiosos por compartilhar.

A condição do portador do "insight" é a mesma de uma criança diante do processo do aprendizado - e não apenas aquele da escola formal, mas também, e principalmente, o aprendizado que a vida oferece aos que não têm vergonha de admitir que ainda não sabem. A criança diz - "não sei" e fica olhando para a gente com aqueles olhinhos que pedem para ser surpreendidos com um belo truque de mágica. Ela não quer adivinhar e dar uma resposta esperta - coisa de adulto - mas se diverte com não saber e ter a chance de uma nova descoberta. A vida é muito gratificante na infância, enquanto ainda não temos o desejo de parecer melhores que os outros e entrar na competição que transforma nossos antigos amigos em adversários que devemos temer. Para que eu ia querer ser melhor que os outros, e não ter mais alguém com quem dividir a minha curiosidade e talvez compartilhar o "insight"?

Só temos "insights" quando estamos humildes e reconhecemos que alguém mais pode nos oferecer a pecinha que falta para concluir nosso quebra-cabeças. Quando ainda somos capazes de extrair alegria por juntar idéias ou por ler uma poesia. Porque a poesia, quando é poesia de verdade, é a mais incrível fonte de "insights".

Os hindus chamam os seu maiores sábios - aqueles que trouxeram a revelação dos Vedas, de "poetas". De poesia é feito o próprio Universo, onde os deuses são apenas mantras - e por isso mesmo são tão poderosos...

Se você quer encontrar a felicidade digna de um grande yogui, o primeiro passo é olhar para sua própria ignorância como uma oportunidade de aprendizado. E olhar para o aprendizado como uma oportunidade de encontrar a alegria do "insight". E olhar para o "insight" como um retorno à inocência da infância, como se você houvesse bebido do néctar da imortalidade.

Aquele que já sentiu o prazer de um único "insight" sempre estará atento para não perder o próximo. Mãos à obra, portanto. Pergunte alguma coisa para alguém, com um desejo verdadeiro de elucidar alguma dúvida. Ou, se preferir, abra um livro de poesias. Faça uma meditação ou cante um mantra - e fique atento ao que se passa dentro de seu coração.

E vamos deixar, mais uma vez, cair a ficha...

domingo, 9 de março de 2008

Tradutor, um traidor...

Parece incrível como as traduções de textos de culturas orientais são difíceis para nós, ocidentais. E isso é particularmente verdadeiro para a literatura sânscrita, onde a maior causa de distorções é a autoridade dos especialistas.

É incrível a quantidade de erros de tradução que encontro diariamente quando leio as traduções de autoridades acadêmicas. O Rig Veda de Griffith é um exemplo típico, onde erros grosseiros impedem uma leitura fluente de qualquer dos hinos - fazendo parecer que os antigos védicos tinham um modo muito esquisito de dizer as coisas. Na verdade parece que alguns tradutores, quando não têm certeza sobre o que está registrado no texto original, pulam sem aviso aquele trecho duvidoso ou simplesmente inventam alguma coisa para escrever ali - só para não deixar passar em branco...

Outra marca registrada de alguns "tradutores clássicos" é o fato de utilizarem versões arcaicas de suas próprias línguas - o estilo "bíblico" - como se isso fosse dar mais credibilidade ou autenticidade à tradução de textos antigos. Isso é um hábito muito frequente nas traduções para o Inglês. O que eles conseguem é apenas tornar ainda mais difícil a leitura, o que possivelmente vai disfarçar um pouco as suas falhas de tradução.

O grande problema com essas falhas de tradução é que elas se propagam por diversos outros textos que as tomam por referência, e que acabam por dar a elas uma credibilidade que não merecem.

Certa ocasião, na Universidade de São Paulo, quando eu ainda estudava Sânscrito, o professor Mario Ferreira contou que fazia um estudo sobre os nomes de posturas do Hatha Yoga quando se deparou com um nome que ainda não conhecia - a "postura da lagosta". Ao procurar pelo nome original sânscrito ele encontrou a shalabhAsanam, ou seja, a "postura do gafanhoto". A tradução estava errada. Para seu espanto, porém, muitos outros livros registravam o mesmo erro, alguns inclusive trazendo o nome original sânscrito estampado junto à tradução equivocada - o que, aliás, servia de prova e atestado da ignorância do autor. Quase trinta publicações, na época, reproduziam o erro de tradução. Mas como isso teria ocorrido? Uma consulta às bibliografias dessas publicações logo revelou o DNA e a árvore genealógica do problema. Um livro que aparecia na fonte, como referência para os demais, era uma tradução de um original em Inglês - no qual o nome da postura fora traduzido corretamente como "gafanhoto". O erro, desta vez, havia sido da tradução a partir do Inglês, onde gafanhoto é "locust", e o tradutor, num ato falho, traduziu "locust" por "lagosta" (em Inglês, "lobster").

Ainda que se entenda o fato de um tradutor de Inglês não conhecer o Sânscrito, não podemos perdoar a falta de revisão de seu erro na tradução do Inglês. E menos ainda a cara-de-pau de autores locais que posaram de entendidos do Sânscrito, colocando em seus livros o nome original da postura, e copiando o erro grosseiro de tradução produzido pelo descuidado tradutor do Inglês. Haja paciência...

Esse caso contado pelo professor Mario Ferreira aos seus alunos (entre os quais, eu), por volta de 1980, me deixou uma impressão muito forte acerca da responsabilidade de quem trabalha com outras línguas. Reforçou também a minha convicção de que quem quer conhecer a riquíssima diversidade das Culturas da Índia precisa considerar a possibilidade de fazê-lo nas suas línguas originais.

É aqui que minha convicção sobre o a importância de se disseminar o acesso ao Sânscrito se fortalece. O mercado oferece excelentes tradutores para um grande número de línguas que dão corpo a culturas fascinantes, mas o Sânscrito está mal servido, nesse mercado. A grande autoridade "moral" de alguns tradutores não melhora em nada a pobreza de seu trabalho com essa língua fantástica.

Posso garantir a você que há muito, mas muito mesmo, a ser aprendido por nós dos "insights" que nossos antepassados indianos tiveram há dois, três, quatro mil anos ou mais. Mas minha recomendação, no caso do Sânscrito, será sempre a de estudar a língua e ler o texto diretamente no original. Garanto a você que o resultado paga com folga todo o esforço investido nesse aprendizado.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A Índia invade as minhas tardes...

Aprendi há muito tempo que não há melhor maneira de aprender do que dar uma boa aula. O professor que se dedica seriamente a ensinar, ou seja, aquele que se preocupa realmente em apresentar a matéria de uma maneira que seus alunos consigam entender o assunto, passa por um processo preparatório que é uma verdadeira catarse. Antes de dar um curso, ele mergulha totalmente no assunto, com uma profundidade muito maior do que aquela que será necessária para as aulas, de modo a ficar bem familiarizado com as informações. Assim, quando ele for apresentar a matéria aos alunos, sua mente poderá escolher diversos caminhos alternativos para abordar o tema - o que dá a ele a flexibilidade de ensinar da maneira à qual os alunos respondam com maior interesse.

Esse mergulho preparatório não acontece apenas durante o planejamento de um curso ou de um período de um curso, mas também se repete diariamente nas horas ou minutos que antecedem a aula. Às vezes me flagro consultando uma obra que está muito além do conteúdo previsto para o curso que estou dando, simplesmente porque ela pode oferecer algum "insight" que talvez enriqueça as aulas e estimule o interesse de meus alunos. Acredito que isto seja uma doença que acomete qualquer professor que esteja de fato intencionado para promover o aprendizado de seus pupilos.

O estudante de Yoga, Sânscrito ou de Cultura da Índia em geral é uma jóia preciosa, pois procura os cursos movido por um interesse autêntico por aprender. Não é justo frustar esse seu desejo e desperdiçar a imensa energia que ele coloca em seu esforço por entender informações que vieram de tão longe...

Mas meu foco, aqui, é revelar esse segredinho que os professores prazeirosamente confessam, com relação ao seu trabalho. O professor aprende muito mais do que os seus alunos, antes, durante e depois das aulas. Poderíamos até forçar um pouco mais o argumento e sugerir que o melhor professor pode estar sendo motivado por um profundo egoísmo, ao dar as suas melhores aulas - simplesmente porque ele estará desfrutando do maior benefício, e aprendendo muito mais do que está ensinando, enquanto seus alunos inocentemente se consideram os maiores beneficiários naquele momento. Isso quer dizer que os melhores cursos, pela perspectivas dos alunos, são máquinas de tranformar professores em gênios iluminados...

Pois é. Como eu sou um sujeito extremamente egoista, decidi preencher algumas tardes dando aulas sobre alguns assuntos de que gosto muito. E espero que você participe ou passe a informação adiante, pois assim estará me ajudando a criar condições para que eu mesmo me torne um verdadeiro iluminado. Veja os assuntos:

Desvendando os nomes dos asanas
Segundas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: dar ao aluno noções extensivas sobre o significado dos nomes de cada um dos asanas, bem como sua pronuncia e grafia corretos. Alguns outros termos da prática de Yoga também serão abordados no curso.
Duração: três módulos seqüenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Referência básica: "Manual das 84 Posturas"

Yantras e Mantras - ferramentas tântricas para o Yoga
Segundas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Oferecer introdução às técnicas de ativação do corpo e da mente por meio de diagramas mágicos (yantras) e do uso de mantras. Também será ministrado o suporte teórico e a inserção histórica dessas técnicas dentro da tradição do Hinduísmo. O participante aprenderá a utilizar essas ferramentas especialmente para sua prática de meditação.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.

Praticas divinatórias no Hinduísmo
Quintas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Apresentar um quadro geral e os conceitos mais importantes sobre algumas práticas divinatórias tradicionais em uso na Índia, com foco no Jyotishshastra (astrologia hindu). Serão discutidas as técnicas e as condições exigidas para esses procedimentos divinatórios, e o aluno será levado a testar por si mesmo as informações astrológicas obtidas pelo método antigo dos indianos.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.

Técnicas ancestrais de meditação
Quintas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: Apresentar de forma sistemática as mais importantes técnicas antigas para auxiliar o processo de meditação, com foco nas práticas indianas. O aluno poderá se servir das informações obtidas para estabelecer uma rotina de meditação adequada ao seu perfil pessoal, e estará capacitado para orientar seus próprios alunos sobre as alternativas existentes. Um diferencial deste curso é o esforço para tornar bastante claro o conceito de meditação. O que se pretende é que o aluno aprenda a praticar, com bom resultado, a meditação.
Duração: Um módulo de três meses - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila

O Yogavishaya de Minanatha - uma síntese do universo do Hatha Yoga
Um estudo dirigido em quatro aulas
Quintas-feiras das 14:00 às 15:30
Objetivo: Dar ao aluno uma visão completa, do conteúdo do texto sânscrito Yogavishaya, de Minanatha. Nessa pequena obra o fundador da linhagem Kaula, e celebrado mestre mítico de Gorakshanatha, faz uma abordagem breve de todo o cenário cultural que dá sustentação ao Hatha Yoga. Vamos abordar cada detalhe da obra estabelecendo conexões com outras obras da tradição do Yoga e da linhagem Natha.
Material de apoio: apostila com a tradução e outras referências.

Todos esses cursos são ministrados em São Paulo, cidade onde resido, no Instituto Narayana - cujo telefone é (11) 3826.5549.

Como você pode ver, cada vez mais a Índia invade as minhas tardes...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Falando Sânscrito

Agora que estou dedicado em tempo integral às minhas atividades envolvendo o Yoga, o Sânscrito e a Cultura da Índia, de uma maneira geral, acredito que será possível realizar um dos meus sonhos prediletos. Quero formar aqui em São Paulo uma pequena (ou grande) comunidade de falantes da língua Sânscrita.

Para quem pensa que o Sânscrito é uma língua morta, e que não é possível trazer o defunto de volta à vida, já informo que na Índia o "renascimento" (pratijanman) é uma crença comum, e eu aposto que também se aplicaria à linguagem sagrada das escrituras hindus. Mas tenho minhas razões para não compartilhar dessa crença de que o Sânscrito seja uma língua morta.

Em Rishikesh, em outubro de 2006, Acharya Yogendra Shastri, professor de Sânscrito e de Astrologia Védica na Universidade Hindu de Varanasi se apresentou para mim falando em Sânscrito. Percebi sua extraordinária fluência nessa língua e expliquei para ele minha dificuldade em encontrar parceiros de conversação por aqui. Fiquei surpreso, no entanto, ao saber que ele convive com diversos colegas igualmente fluentes em Sânscrito. De fato, toda a formação escolar de Yogendra foi ministrada em Sânscrito (inclusive matemática, história, geografia, etc.). O Sânscrito era a língua em que ele conversava com seus colegas de aula, o dia todo. Não é de se estranhar a familiaridade que ele demonstrou com essa linguagem. Na verdade, ele só fala em Sânscrito e Hindi (e prefere o Sânscrito...).

Tal como o professor Yogendra, com quem eu só podia conversar em Sânscrito (já que não aprendi ainda o Hindi), milhares de outras pessoas utilizam o Sânscrito regularmente, e de forma utilitária, em suas conversações diárias. Segundo eles, há assuntos que só podem ser corretamente compreendidos em Sânscrito, devido à riqueza semântica de seu vocabulário.

É claro que, quando falo de implantar uma comunidade sânscrita por aqui, se trata de uma proposta difícil de se colocar em prática, uma vez que depende da disposição e da disciplina de um certo número de pessoas que, possivelmente, também estarão pressionadas por outras prioridades em sua vida diária. O próprio alfabeto Devanagari, do qual o Sânscrito se serve para o registro escrito, é ensinado para todas as crianças na Índia, por ser o mesmo que se emprega para escrever na língua oficial do Governo da Índia, o Hindi. Já quem se interessa pelo Sânscrito, no Brasil, começa literalmente como um completo analfabeto.

Mas creio que a tentativa vale a pena.

Se você está se perguntando "para quê alguém por aqui iria querer falar em Sânscrito?" já te adianto que minha resposta é bastante simples: não faço a menor idéia. Talvez minha fé na loucura humana seja tanta que eu acabo acreditando nessas pequenas impossibilidades. Ou então, talvez eu veja que a grande disseminação do Yoga está criando ou ampliando esse interesse entre os praticantes. Ou ainda, mais provavelmente, já ouvi tantas pessoas me dizendo que gostariam muito de poder falar em Sânscrito que acabei acalentando essa proposta maluca de uma comunidade de falantes.

A idéia não é nova. Os indianos vêm promovendo acampamentos para conversação em Sânscrito em lugares tão distantes da Índia quanto o Canada, os EUA, a Alemanha e a Inglaterra. Um movimento de restauração do Sânscrito como língua falada (ainda que alguns afirmem que ela jamais o foi) se organizou na Índia, em Bangalore (Karnataka) e vem se espalhando pelos países em que há maior concentração de migrantes indianos. Esse movimento pode ser encontrado na Internet no endereço Sanskrita Bharati, que traz informações sobre suas atividades.

No momento estou ensaiando o método em meus cursos no Centro de Estudo de Yoga Narayana, e tenho obtido alguns resultados animadores. Também estou dando continuidade à produção da série de DVDs "Sânscrito Vivo", interrompida por um ano inteiro em razão de compromissos profissionais conflitantes. pretendo publicar o segundo volume (de dez previstos) até o início de Março.

E assim, quem sabe, de passo em passo, meu velho sonho do Sânscrito falado começa a ganhar um pezinho firme no mundo da nossa dura realidade...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Riqueza e miséria

Há um fenômeno curioso que se passa com quem visita a Índia. O viajante que ali aporta experimenta, em um prazo muito curto, uma paixão muito intensa ou uma aversão insuportável em relação àquele país. Difícil saber a razão, mas difícil também encontrar alguém que simplesmente não se importe com a Índia, depois de conhecê-la.
É claro que cada um terá suas razões pessoais para explicar os sentimentos que experimenta. Um foi até lá iludido por folhetos de turismo, e se ofendeu com a pobreza de grande parcela da população indiana. Sonhou com os palácios das histórias de Aladin e acordou numa palafita de mangue. Outro foi em busca de um mestre espiritual e encontrou mestres e deuses em profusão, num território dominado pela mística e pela religiosidade.
Para quem enxergou a pobreza, chamo a atenção para o que segue. A população indiana é muito grande - mais de um bilhão de pessoas para dividir o bolo modesto oferecido pela economia nacional. Não há distribuição de renda que melhore a situação econômica de tanta gente. No entanto, existe uma diferença de qualidade entre a pobreza que conhecemos no Brasil e a pobreza que encontramos na Índia: o pobre brasileiro gostaria de ser rico; e o indiano não se importa.
A Tradição é o grande diferencial dos indianos em relação à nossa população. A Índia traça suas origens a mitos que apontam para datas de milhares ou até milhões de anos atrás. O Brasil começa a contar a sua história a partir de 1822, com Dom Pedro I. Nem mesmo o período colonial é incluido em nossa memória histórica - nós simplesmente ignoramos o que antecedeu a Independência, como se fosse um período obscuro e tumultuado de nossa civilização brasileira.
Nós lamentamos a nossa pobreza sentados sobre um barril de puro ouro. Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir, considerando que a maior riqueza de um povo não se mede pelo "produto interno bruto", mas pela cultura que ele for capaz de assimilar e preservar. Ao dar as costas para nosso passado lusitano e celta sacrificamos a grande riqueza dos milênios em favor de uma breve memória contemporânea construída sem qualquer alicerce.
O pobre indiano sorri para o visitante estrangeiro movido por uma autêntica felicidade. Ele sabe que muitos de nós estamos ali para admirar a riqueza que cada um deles está ajudando a proteger - pois a cultura só permanece se for vivida em sua totalidade. Por isso eu vejo os pobres indianos como o "Tio Patinhas" das histórias em quadrinhos, deliciosamente mergulhado em suas moedas, dentro da caixa-forte, enquanto os economistas debatem teses acerca de possíveis soluções para a sua miséria.
Ah, como seria bom que o Brasil fosse acometido desse mesmo "flagelo" que açoita as populações pobres da Índia...

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Adeus, Prefeitura

Dia 24 de janeiro de 2008 entrará para o meu calendário oficial como o meu último dia de trabalho na prefeitura de São Paulo. Um dia que só é importante, para muitos, por ser a véspera do aniversário do município, mas que se torna importantíssimo para mim, por anteceder o primeiro de uma nova fase em minha vida. Depois de quinze anos de poder público, e mais vinte de mercado publicitário e artes visuais, chegou a hora de me dedicar à Cultura da Índia – essa gigantesca herança que a Humanidade ainda não soube aproveitar.

Às vezes duvido de que não vou me envolver com outras atividades, mas estou determinado a concentrar meu foco nessa preciosidade, pelas duas áreas que melhor conheço: a língua sânscrita e o Yoga. O que até hoje foi minha atividade paralela vai finalmente assumir o papel principal no roteiro da minha vida.

Vou pedir proteção ao Senhor dos Dançarinos, o poderoso Shiva, que certamente não me deixará desamparado. Posso afirmar isso com segurança e sem qualquer conotação religiosa porque segundo essa tradição mais do que milenar, Shiva é o “eu” que reside dentro do coração de cada um de nós. Ele é o ator principal, e também o único espectador nesse teatro onde atuo, desde quando nasci. Palmas para ele, então, pois a partir de agora ele também foi promovido a diretor e produtor executivo de minhas maluquices.

Não sei se o prefeito vai sentir a minha falta. A briga que se armou entre ele (Gilberto Kassab) e o outro (Geraldo Alckmin), já começou a fazer barulho grande. Tanto melhor para mim, que saio “à francesa” desse palco que está virando ringue. Enquanto o PSDB e o Demo se desentendem, eu caio fora, para dentro de mim mesmo.

Resta dizer adeus aos documentos de fé pública, e dar as boas vindas às boas práticas de minha fé particular. Acredito demais naquilo que nos chega pela voz de nossos ancestrais e estou convencido de que eles ainda estão aí para ouvir a nossa voz, quando falamos a linguagem dos mitos.

Então, anote aí e não se esqueça. Minhas novas aventuras vão ao ar a partir do dia 25, em qualquer horário, em todos os meus canais.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Desunião e Yoga



"Yoga é união". Este é um clichê interessante, que ainda hoje continua a ser repetido por praticantes ou teóricos dessa arte. A palavra "yoga", na verdade, não significa "união", mas ainda assim a tradução é aceitavel, se a intenção for boa. No universo profissional do Yoga, no entanto, "união" é um termo que tem andado meio fora de moda.
Há algumas décadas, quando conheci o Yoga, poucos eram os instrutores dessa prática. Pouca, também, a informação disponível sobre o assunto. Essa era de fato a maior dificuldade, trinta e cinco anos atrás: obter informações - quaisquer que fossem elas. Era incrível como os aficionados do Yoga ficavam felizes com uma simples matéria que saísse na revista "Fatos & Fotos" ou na popular "Manchete", tomando esse material como referência de reconhecimento para suas crenças pessoais. Nos anos sessenta, vez por outra saia uma "reportagem" fotográfica sobre praticantes de Yoga, cheia de fotos mostrando posturas exóticas e pessoas com expressão de êxtase místico. Me lembro de uma dessas matérias, com fotos tomadas em um parque (talvez a Floresta da Tijuca) no Rio de Janeiro. Foi o maior sucesso, pelo que posso recordar.

Era uma época de muita ingenuidade, aquela. E olha que não faz tanto tempo assim. Entre os anos 50 e 70, qualquer um que conseguisse manter uma conversação coerente por mais de vinte minutos sobre algum assunto - inclusive o Yoga - poderia se tornar referência para o tema. Talvez você conheça algum figurão daquela época que se enquadre nesse perfil. E era possível dizer o que bem se quisesse, pois dificilmente haveria alguém para contestar suas opiniões, tal a dificuldade de acesso ao conhecimento.

As dificuldades eram muitas. Meu primeiro dicionário de Sânscrito, uma publicação da fantástica editora indiana "Motilal Banarsidass" foi conseguido a duras penas depois de muita troca de correspondência (pelo correio tradicional, em papel) e uma ordem de pagamento internacional carregada de burocracia. Depois disso, ainda esperei mais de seis meses até que o pacote com meu livro atravessasse o Saara no lombo de um camelo e fosse despachado em navio a partir do Marrocos. Um ano inteiro se passou entre o momento da decisão e a chegada do livro em minha casa. E isso foi há apenas trinta e poucos anos.

Hoje ninguém mais poderia reclamar que o acesso à informação é difícil. Uns poucos cliques de mouse unem rapidamente qualquer cybercidadão às respostas de que necessite. Uma consulta bem orientada no "Google" responde a qualquer dúvida que o internauta possa levantar. E ele ainda pode comprar qualquer livro pela Internet, e recebê-lo em sua casa em poucos dias, na pior das hipóteses.

Esse quadro sugere que seria bastante natural que hoje não houvessem mais disputas de opinião, como aquelas de antigamente, quando o desafio era conseguir provar que estava certo, ou que seu oponente estava errado. Teoricamente deveríamos estar todos compartilhando as mesmas preciosas informações sobre os temas de nosso interesse, e jamais seríamos afetados por conflitos de idéias.

Infelizmente não é assim que a coisa funciona. A informação às vezes parece uma lente de aumento, pronta para ampliar as minúcias de nossa diversidade. Onde poderia haver consenso, surge conflito. Onde poderia haver união, discórdia. Essa é a armadilha que ronda os atuais simpatizantes do Yoga, pronta para inspirar desentendimentos verossímeis e intelectualmente bem articulados. Aos yoguinas desta hora está sobrando informação, vocabulário e teoria, mas às vezes falta o bom senso básico dessa doutrina. E o perigo espreita muito de perto uma minoria, que anda miseravelmente pobre de inteligência.

Então vamos ficar despertos. Ainda há muitas tentativas de alimentar discórdia entre os instrutores e praticantes do Yoga. Mas se disseminarmos um pouco de vigilância e boa vontade por aí, certamente há uma boa chance de encontrarmos a Paz nesse "front".

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sem Reservas...

Começar um blog, pela primeira vez, causa um desacerto nas idéias. É algo como chegar "de mala e cuia" àquele hotel de sonhos, do outro lado do mundo, e descobrir que não foram feitas as suas reservas. Ficar ali, diante do enigmático gerente que sorri enquanto lhe dá a má notícia é como ficar diante do espaço sorridente do blog, que aguarda de mim a decisão sobre o que fazer com um assunto que de maneira alguma o afeta - porque, afinal, as reservas não foram feitas.

Em Rishikesh, diante de uma situação como essa, consultei meu operador de turismo local, o Mahesh, que respondeu com uma simplicidade digna dos grandes mestres: "relax and adjust".

Ajustar-se à situação é tudo o que o viajante não deseja fazer. O turista padrão viaja para tentar encontrar alhures o suporte para seus próprios hábitos, em versão exótica. Ele adora ser surpreendido, desde que dentro dos limites de sua expectativa. Afinal de contas, quem paga uma viagem para longe, paga para ter aquilo que deseja, ainda que seja algo imprevisível. Tudo deve se ajustar ao viajante, que naturalmente prefere não se ajustar a coisa alguma.

Mas o Mahesh está absolutamente certo. O que estraga a vida da gente é essa mania de ficar planejando até mesmo o tamanho do susto. Acomodar-se ao previsível é o mesmo que escrever poesia com base na gramática. Ajustar-se ao inesperado é quase um método compacto de atingir a iluminação. Não estou exagerando, não. Minha experiência ensinou que as melhores oportunidades surgem inesperadamente, e que as mais importantes decisões que tomamos são as que surgem diante de acontecimentos que jamais havíamos previsto - são elas que realmente mudam o rumo de nossas vidas.

É por isso que costumo aconselhar meus amigos a estar preparados para as oportunidades inesperadas. Elas são as portas que se abrem para os melhores futuros momentos de nossas vidas. E a maior parte de nós fica apenas olhando irritado para a cara do gerente, sem saber se briga com ele ou se agarra o operador de turismo pelo colarinho.

Pois é. Eu quero meus futuros melhores momentos assegurados em minha vida. Não abro mão disso. Então eu sigo o conselho do Mahesh e me ajusto. Sempre.

Por isso eu inaugurei este blog do "Sânscrito bem temperado". Simplesmente porque jamais me imaginei escrevendo um blog. E também porque adoro Sânscrito - escrito, falado, e bem temperado, é claro.