Pessoalmente não tenho nada contra fazer uma tatuagem. Não faria, mas aprecio essa arte que deve ser tão antiga quanto a própria Humanidade. E é natural, também, que os "tatuandos" tenham o desejo de grafar alguma coisa em seu corpo com o alfabeto Devanagari - aquele que se usa para escrever em Sânscrito. Digo isso porque toda hora recebo alguma mensagem pedindo tal ou qual palavra ou frase para alguém se tatuar "em Sânscrito". E que me perdoem os consulentes, mas raramente tenho tempo para responder a essas consultas.
Como transito no ambiente de praticantes de yoga, tem sido freqüente encontrar algum braço ou ombro tatuado com dizeres grafados em Devanagari (o alfabeto). Não faço comentários sem ser solicitado, mas vou confessar que me espantam algumas barbaridades que as pessoas deixaram gravar em sua pele - possivelmente sem ter consciência do que estavam escrevendo.
Vamos esclarecer. Não tenho nada a dizer quanto ao conteúdo dos grafismos, que são assunto da conta apenas de quem solicita a tatuagem. Mas nunca soube de algum tatuador que tivesse estudado o Sânscrito ou que estivesse familiarizado com o alfabeto Devanagari. Isto significa que os clientes, muito provavelmente, estão levando para o tatuador o "desenho" da palavra ou frase que querem grafar em seu corpo. E mais provavelmente ainda, estão solicitando de alguma outra pessoa o modelo para levar ao tatuador. É como uma corrente. O tatuador não sabe, e então pede ao cliente que já leve pronto. O cliente também não sabe, e então faz uma busca na Internet para tentar achar quem possa escrever um nome no alfabeto Devanagari ou uma palavra ou duas da língua sânscrita mesmo.
E então o infeliz encontra alguém que diz que sabe - e às vezes até pede uma grana para fazer o trabalho - mas na verdade não sabe. O desconhecimento de um, aliado à ousadia do outro que também não conhece, mas diz que conhece, produz as barbaridades às quais me referi. São palavras grafadas de maneira completamente errada impressas em caráter permanente (pois sua remoção é difícil e envolve um sofrimento muito maior que a gravação) na fachada corporal de uma beldade que passeia por aí, com muito orgulho. Não há dinheiro mais mal gasto do que esse...
A conclusão inevitável é que não vale a pena tatuar na pele algum grafismo que não temos certeza de estar corretamente desenhado. Alguém certa vez disse a uma estudante de arquitetura, em Mogi das Cruzes, que restaurantes chineses costumavam escrever provérbios de Confúcio nas beiradas dos cardápios. Disposta a exibir uma frase bonita, visitou um desses estabelecimentos e copiou cuidadosamente alguns ideogramas que enfeitavam os cantos do cardápio, sob o olhar curioso dos garçons. A sua sorte foi que ela não tatuou, mas apenas pintou em um quimono que exibia orgulhosa pelos corredores da faculdade, até cruzar com um estudante chinês, que depois de rir muito explicou para ela o que ela havia escrito, na língua de Confúcio: "este é um prato muito gostoso e bastante barato". O que mais se pode esperar de uma frase impressa num cardápio?
Aviso aos tatuantes: restaurantes indianos não colocam mantras nos cardápios! E pesquisar no Google pode não ser a melhor maneira de encontrar um bom tradutor de Sânscrito. Na verdade é a maneira mais rápida de conseguir o contato errado. O sujeito que poderia resolver o desenho de sua tatuagem nem tem um site para tratar desse assunto. Mas o não-tradutor que se diz tradutor tem presença garantida nos links de resposta de sua busca, exibindo sem pudor nenhum suas obras, como se estivessem todas corretas.
Quando o tatuado descobre que escreveu besteira em si mesmo - e acreditem, essa descoberta é muito rara pois quase ninguém entende Sânscrito por aqui - sua primeira reação é procurar um culpado. O tatuador não é, pois ele apenas reproduziu o desenho, com muita habilidade artística e algumas "firulas" para dar um toque especial à obra. O farsante que vendeu o desenho nunca deu uma garantia, e terá uma lista de argumentos incompreensíveis para dizer que estava certo o que escreveu, alegando talvez que até mesmo indianos o consultam para aquela tarefa. O mico, portanto, vai ficar mesmo com quem carrega a "tosca" tatuagem - e que vai torcer para que ninguém mais perceba que seu sonho de consumo se tornou um pesadelo oriental.
Fica aqui o conselho, portanto, que vale como prevenção contra males maiores: quer fazer uma tatuagem em Sânscrito? Então faça. Mas assegure-se de que está escrevendo a coisa certa. Consulte um especialista de verdade, e não um oportunista. Dezenas de pessoas estudaram Sânscrito a sério e podem te dar uma boa orientação sobre a grafia de sua tatuagem. Se é uma marca definitiva em seu corpo, e você está pagando para fazê-la, então pague um pouco mais para que seja elaborada por um profissional do Sânscrito.
No Yogaforum coloquei uma coluna com links para alguns profissionais que trabalham com o Sânscrito. São pessoas que estudaram a língua em nível superior ou em cursos ministrados por instrutores sérios (daqui ou da Índia), e que são pagos para dar aulas de Sânscrito. Não sei se algum deles teria disponibilidade para pegar esses pequenos serviços de "consultoria para tatuagens", mas certamente é um bom lugar para começar sua pesquisa.
Como prova de minha solidariedade para com os aspirantes a uma tatuagem em Devanagari, vou fazer uma promessa digna de ano eleitoral. Prometo levantar quem são as pessoas capacitadas que se disporiam a dar orientação aos tatuadores e seus clientes, para que uma decisão tão importante como a de estampar uma tatuagem desse tipo fique livre do risco de uma fraude. E assim que essa informação estiver pronta publico aqui mesmo ou no Yogaforum. Até lá vale a recomendação de muita cautela, e de checar em mais de uma fonte se está certo o desenho que vai cicatrizar em você.
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terça-feira, 17 de junho de 2008
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Minha web para o Sânscrito, finalmente!
Parece brincadeira, mas quando tive a idéia de construir um site pautado pelo Sânscrito e com foco no Yoga, há quase sete anos, não pensei que demoraria tanto tempo para colocá-lo no ar. Foi uma longa gestação, mas finalmente minhas novas rotinas estão se ajustando às minhas antigas aspirações, e o resultado não poderia ser melhor. Em poucos dias estará no ar o site "yogaforum.org" com informações e notícias sobre temas culturais indianos.
A idéia surgiu quando organizei o fórum em defesa da independência do Yoga, que aconteceu em setembro de 2001, no salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo. A data do evento se tornou inesquecível, pois foi no dia seguinte ao do ataque terrorista que derrubou as torres do World Trade Center de Nova Iorque. Em 12 de setembro de 2001, enquanto o mundo tentava entender a tragédia nova-iorquina, estavamos reunidos para manifestar nossa convicção sobre a independência do Yoga - contra a despropositada tentativa (ainda em curso) dos conselhos de classe da Educação Física de tomar para si o controle sobre essa prática tradicional indiana.
Éramos poucos, cerca de trezentas e cinquenta pessoas presentes, mas éramos diversificados e expressivos como representação das variadas formas assumidas pelo Yoga por aqui. Maria Helena de Bastos Freire, De Rose, Hermógenes, Cláudio Duarte, Anna Ivanov, estavam compondo a mesa, presidida pelo então vereador Marcos Zerbini. Outros tantos manifestaram seu apoio prestigiando o evento e assinando um manifesto em favor da independência do Yoga.
Esse evento foi concebido para ter o formato de um forum - um encontro de opiniões distintas integradas por interesses comuns. Ali mesmo me ocorreu a idéia de que seria interessante dar continuidade à iniciativa criando um território virtual para ela na Web.
Busquei um nome para o domínio, e o "yogaforum.org" estava disponível. Perfeito. Só faltava então montar o site e colocá-lo no ar...
Apesar de só ter saido dos rascunhos seis anos e meio mais tarde, ele surge com o mesmo entusiasmo que me motivou no início. Porém, diferente da proposta original, o Yogaforum agora deixa de tratar com exclusividade do assunto "yoga" e mergulha um pouco mais a fundo no oceano da Cultura Sânscrita. Ao final de 2006, quando fiz o lançamento experimental do primeiro volume do curso de Sânscrito em DVD, decidi utilizar o servidor "yogaforum.org" como base de distribuição da documentação complementar para cada um dos volumes da coleção. De fato, um selo "ॐ yogaforum.org - Living Sanskrit" já aparece estampado na capa daquele material, embora o site, naquele momento, tenha operado por um breve período apenas, de forma experimental.
Mas ainda que tenha levado tanto tempo para nascer, posso dizer que agora ele está ficando com a cara que eu gostaria que ele tivesse. Nestes últimos dias tenho trabalhado na programação das rotinas de atualização do conteúdo e, embora ciente de que é difícil agradar a todos, creio que estou chegando a uma solução bastante satisfatória para apresentação de informações de interesse dos aficionados pelas culturas da Índia.
Em tempo: como preciso dos anunciantes para ajudar a dar conta do custo desse site, procurei estabelecer alguns filtros para a publicidade - de modo que ela seja útil e esteja naturalmente integrada na experiência de navegação do internauta que apareça por ali.
Então é isso. Agora você ja sabe o endereço (http://www.yogaforum.org/), e está convidado a fazer uma visita nesses próximos dias, a partir de 1º de maio, para explorar o conteúdo (que estará mais rico a cada semana que passa), e dizer um "alô" para aquele anunciante que tiver algo de interessante para te oferecer. E não se esqueça de me dar um retorno para dizer qual foi sua impressão ao passar pelo Yogaforum virtual.
A idéia surgiu quando organizei o fórum em defesa da independência do Yoga, que aconteceu em setembro de 2001, no salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo. A data do evento se tornou inesquecível, pois foi no dia seguinte ao do ataque terrorista que derrubou as torres do World Trade Center de Nova Iorque. Em 12 de setembro de 2001, enquanto o mundo tentava entender a tragédia nova-iorquina, estavamos reunidos para manifestar nossa convicção sobre a independência do Yoga - contra a despropositada tentativa (ainda em curso) dos conselhos de classe da Educação Física de tomar para si o controle sobre essa prática tradicional indiana.
Éramos poucos, cerca de trezentas e cinquenta pessoas presentes, mas éramos diversificados e expressivos como representação das variadas formas assumidas pelo Yoga por aqui. Maria Helena de Bastos Freire, De Rose, Hermógenes, Cláudio Duarte, Anna Ivanov, estavam compondo a mesa, presidida pelo então vereador Marcos Zerbini. Outros tantos manifestaram seu apoio prestigiando o evento e assinando um manifesto em favor da independência do Yoga.
Esse evento foi concebido para ter o formato de um forum - um encontro de opiniões distintas integradas por interesses comuns. Ali mesmo me ocorreu a idéia de que seria interessante dar continuidade à iniciativa criando um território virtual para ela na Web.
Busquei um nome para o domínio, e o "yogaforum.org" estava disponível. Perfeito. Só faltava então montar o site e colocá-lo no ar...
Apesar de só ter saido dos rascunhos seis anos e meio mais tarde, ele surge com o mesmo entusiasmo que me motivou no início. Porém, diferente da proposta original, o Yogaforum agora deixa de tratar com exclusividade do assunto "yoga" e mergulha um pouco mais a fundo no oceano da Cultura Sânscrita. Ao final de 2006, quando fiz o lançamento experimental do primeiro volume do curso de Sânscrito em DVD, decidi utilizar o servidor "yogaforum.org" como base de distribuição da documentação complementar para cada um dos volumes da coleção. De fato, um selo "ॐ yogaforum.org - Living Sanskrit" já aparece estampado na capa daquele material, embora o site, naquele momento, tenha operado por um breve período apenas, de forma experimental.
Mas ainda que tenha levado tanto tempo para nascer, posso dizer que agora ele está ficando com a cara que eu gostaria que ele tivesse. Nestes últimos dias tenho trabalhado na programação das rotinas de atualização do conteúdo e, embora ciente de que é difícil agradar a todos, creio que estou chegando a uma solução bastante satisfatória para apresentação de informações de interesse dos aficionados pelas culturas da Índia.
Em tempo: como preciso dos anunciantes para ajudar a dar conta do custo desse site, procurei estabelecer alguns filtros para a publicidade - de modo que ela seja útil e esteja naturalmente integrada na experiência de navegação do internauta que apareça por ali.
Então é isso. Agora você ja sabe o endereço (http://www.yogaforum.org/), e está convidado a fazer uma visita nesses próximos dias, a partir de 1º de maio, para explorar o conteúdo (que estará mais rico a cada semana que passa), e dizer um "alô" para aquele anunciante que tiver algo de interessante para te oferecer. E não se esqueça de me dar um retorno para dizer qual foi sua impressão ao passar pelo Yogaforum virtual.
domingo, 9 de março de 2008
Tradutor, um traidor...
Parece incrível como as traduções de textos de culturas orientais são difíceis para nós, ocidentais. E isso é particularmente verdadeiro para a literatura sânscrita, onde a maior causa de distorções é a autoridade dos especialistas.
É incrível a quantidade de erros de tradução que encontro diariamente quando leio as traduções de autoridades acadêmicas. O Rig Veda de Griffith é um exemplo típico, onde erros grosseiros impedem uma leitura fluente de qualquer dos hinos - fazendo parecer que os antigos védicos tinham um modo muito esquisito de dizer as coisas. Na verdade parece que alguns tradutores, quando não têm certeza sobre o que está registrado no texto original, pulam sem aviso aquele trecho duvidoso ou simplesmente inventam alguma coisa para escrever ali - só para não deixar passar em branco...
Outra marca registrada de alguns "tradutores clássicos" é o fato de utilizarem versões arcaicas de suas próprias línguas - o estilo "bíblico" - como se isso fosse dar mais credibilidade ou autenticidade à tradução de textos antigos. Isso é um hábito muito frequente nas traduções para o Inglês. O que eles conseguem é apenas tornar ainda mais difícil a leitura, o que possivelmente vai disfarçar um pouco as suas falhas de tradução.
O grande problema com essas falhas de tradução é que elas se propagam por diversos outros textos que as tomam por referência, e que acabam por dar a elas uma credibilidade que não merecem.
Certa ocasião, na Universidade de São Paulo, quando eu ainda estudava Sânscrito, o professor Mario Ferreira contou que fazia um estudo sobre os nomes de posturas do Hatha Yoga quando se deparou com um nome que ainda não conhecia - a "postura da lagosta". Ao procurar pelo nome original sânscrito ele encontrou a shalabhAsanam, ou seja, a "postura do gafanhoto". A tradução estava errada. Para seu espanto, porém, muitos outros livros registravam o mesmo erro, alguns inclusive trazendo o nome original sânscrito estampado junto à tradução equivocada - o que, aliás, servia de prova e atestado da ignorância do autor. Quase trinta publicações, na época, reproduziam o erro de tradução. Mas como isso teria ocorrido? Uma consulta às bibliografias dessas publicações logo revelou o DNA e a árvore genealógica do problema. Um livro que aparecia na fonte, como referência para os demais, era uma tradução de um original em Inglês - no qual o nome da postura fora traduzido corretamente como "gafanhoto". O erro, desta vez, havia sido da tradução a partir do Inglês, onde gafanhoto é "locust", e o tradutor, num ato falho, traduziu "locust" por "lagosta" (em Inglês, "lobster").
Ainda que se entenda o fato de um tradutor de Inglês não conhecer o Sânscrito, não podemos perdoar a falta de revisão de seu erro na tradução do Inglês. E menos ainda a cara-de-pau de autores locais que posaram de entendidos do Sânscrito, colocando em seus livros o nome original da postura, e copiando o erro grosseiro de tradução produzido pelo descuidado tradutor do Inglês. Haja paciência...
Esse caso contado pelo professor Mario Ferreira aos seus alunos (entre os quais, eu), por volta de 1980, me deixou uma impressão muito forte acerca da responsabilidade de quem trabalha com outras línguas. Reforçou também a minha convicção de que quem quer conhecer a riquíssima diversidade das Culturas da Índia precisa considerar a possibilidade de fazê-lo nas suas línguas originais.
É aqui que minha convicção sobre o a importância de se disseminar o acesso ao Sânscrito se fortalece. O mercado oferece excelentes tradutores para um grande número de línguas que dão corpo a culturas fascinantes, mas o Sânscrito está mal servido, nesse mercado. A grande autoridade "moral" de alguns tradutores não melhora em nada a pobreza de seu trabalho com essa língua fantástica.
Posso garantir a você que há muito, mas muito mesmo, a ser aprendido por nós dos "insights" que nossos antepassados indianos tiveram há dois, três, quatro mil anos ou mais. Mas minha recomendação, no caso do Sânscrito, será sempre a de estudar a língua e ler o texto diretamente no original. Garanto a você que o resultado paga com folga todo o esforço investido nesse aprendizado.
É incrível a quantidade de erros de tradução que encontro diariamente quando leio as traduções de autoridades acadêmicas. O Rig Veda de Griffith é um exemplo típico, onde erros grosseiros impedem uma leitura fluente de qualquer dos hinos - fazendo parecer que os antigos védicos tinham um modo muito esquisito de dizer as coisas. Na verdade parece que alguns tradutores, quando não têm certeza sobre o que está registrado no texto original, pulam sem aviso aquele trecho duvidoso ou simplesmente inventam alguma coisa para escrever ali - só para não deixar passar em branco...
Outra marca registrada de alguns "tradutores clássicos" é o fato de utilizarem versões arcaicas de suas próprias línguas - o estilo "bíblico" - como se isso fosse dar mais credibilidade ou autenticidade à tradução de textos antigos. Isso é um hábito muito frequente nas traduções para o Inglês. O que eles conseguem é apenas tornar ainda mais difícil a leitura, o que possivelmente vai disfarçar um pouco as suas falhas de tradução.
O grande problema com essas falhas de tradução é que elas se propagam por diversos outros textos que as tomam por referência, e que acabam por dar a elas uma credibilidade que não merecem.
Certa ocasião, na Universidade de São Paulo, quando eu ainda estudava Sânscrito, o professor Mario Ferreira contou que fazia um estudo sobre os nomes de posturas do Hatha Yoga quando se deparou com um nome que ainda não conhecia - a "postura da lagosta". Ao procurar pelo nome original sânscrito ele encontrou a shalabhAsanam, ou seja, a "postura do gafanhoto". A tradução estava errada. Para seu espanto, porém, muitos outros livros registravam o mesmo erro, alguns inclusive trazendo o nome original sânscrito estampado junto à tradução equivocada - o que, aliás, servia de prova e atestado da ignorância do autor. Quase trinta publicações, na época, reproduziam o erro de tradução. Mas como isso teria ocorrido? Uma consulta às bibliografias dessas publicações logo revelou o DNA e a árvore genealógica do problema. Um livro que aparecia na fonte, como referência para os demais, era uma tradução de um original em Inglês - no qual o nome da postura fora traduzido corretamente como "gafanhoto". O erro, desta vez, havia sido da tradução a partir do Inglês, onde gafanhoto é "locust", e o tradutor, num ato falho, traduziu "locust" por "lagosta" (em Inglês, "lobster").
Ainda que se entenda o fato de um tradutor de Inglês não conhecer o Sânscrito, não podemos perdoar a falta de revisão de seu erro na tradução do Inglês. E menos ainda a cara-de-pau de autores locais que posaram de entendidos do Sânscrito, colocando em seus livros o nome original da postura, e copiando o erro grosseiro de tradução produzido pelo descuidado tradutor do Inglês. Haja paciência...
Esse caso contado pelo professor Mario Ferreira aos seus alunos (entre os quais, eu), por volta de 1980, me deixou uma impressão muito forte acerca da responsabilidade de quem trabalha com outras línguas. Reforçou também a minha convicção de que quem quer conhecer a riquíssima diversidade das Culturas da Índia precisa considerar a possibilidade de fazê-lo nas suas línguas originais.
É aqui que minha convicção sobre o a importância de se disseminar o acesso ao Sânscrito se fortalece. O mercado oferece excelentes tradutores para um grande número de línguas que dão corpo a culturas fascinantes, mas o Sânscrito está mal servido, nesse mercado. A grande autoridade "moral" de alguns tradutores não melhora em nada a pobreza de seu trabalho com essa língua fantástica.
Posso garantir a você que há muito, mas muito mesmo, a ser aprendido por nós dos "insights" que nossos antepassados indianos tiveram há dois, três, quatro mil anos ou mais. Mas minha recomendação, no caso do Sânscrito, será sempre a de estudar a língua e ler o texto diretamente no original. Garanto a você que o resultado paga com folga todo o esforço investido nesse aprendizado.
sábado, 23 de fevereiro de 2008
A Índia invade as minhas tardes...
Aprendi há muito tempo que não há melhor maneira de aprender do que dar uma boa aula. O professor que se dedica seriamente a ensinar, ou seja, aquele que se preocupa realmente em apresentar a matéria de uma maneira que seus alunos consigam entender o assunto, passa por um processo preparatório que é uma verdadeira catarse. Antes de dar um curso, ele mergulha totalmente no assunto, com uma profundidade muito maior do que aquela que será necessária para as aulas, de modo a ficar bem familiarizado com as informações. Assim, quando ele for apresentar a matéria aos alunos, sua mente poderá escolher diversos caminhos alternativos para abordar o tema - o que dá a ele a flexibilidade de ensinar da maneira à qual os alunos respondam com maior interesse.
Esse mergulho preparatório não acontece apenas durante o planejamento de um curso ou de um período de um curso, mas também se repete diariamente nas horas ou minutos que antecedem a aula. Às vezes me flagro consultando uma obra que está muito além do conteúdo previsto para o curso que estou dando, simplesmente porque ela pode oferecer algum "insight" que talvez enriqueça as aulas e estimule o interesse de meus alunos. Acredito que isto seja uma doença que acomete qualquer professor que esteja de fato intencionado para promover o aprendizado de seus pupilos.
O estudante de Yoga, Sânscrito ou de Cultura da Índia em geral é uma jóia preciosa, pois procura os cursos movido por um interesse autêntico por aprender. Não é justo frustar esse seu desejo e desperdiçar a imensa energia que ele coloca em seu esforço por entender informações que vieram de tão longe...
Mas meu foco, aqui, é revelar esse segredinho que os professores prazeirosamente confessam, com relação ao seu trabalho. O professor aprende muito mais do que os seus alunos, antes, durante e depois das aulas. Poderíamos até forçar um pouco mais o argumento e sugerir que o melhor professor pode estar sendo motivado por um profundo egoísmo, ao dar as suas melhores aulas - simplesmente porque ele estará desfrutando do maior benefício, e aprendendo muito mais do que está ensinando, enquanto seus alunos inocentemente se consideram os maiores beneficiários naquele momento. Isso quer dizer que os melhores cursos, pela perspectivas dos alunos, são máquinas de tranformar professores em gênios iluminados...
Pois é. Como eu sou um sujeito extremamente egoista, decidi preencher algumas tardes dando aulas sobre alguns assuntos de que gosto muito. E espero que você participe ou passe a informação adiante, pois assim estará me ajudando a criar condições para que eu mesmo me torne um verdadeiro iluminado. Veja os assuntos:
Desvendando os nomes dos asanas
Segundas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: dar ao aluno noções extensivas sobre o significado dos nomes de cada um dos asanas, bem como sua pronuncia e grafia corretos. Alguns outros termos da prática de Yoga também serão abordados no curso.
Duração: três módulos seqüenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Referência básica: "Manual das 84 Posturas"
Yantras e Mantras - ferramentas tântricas para o Yoga
Segundas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Oferecer introdução às técnicas de ativação do corpo e da mente por meio de diagramas mágicos (yantras) e do uso de mantras. Também será ministrado o suporte teórico e a inserção histórica dessas técnicas dentro da tradição do Hinduísmo. O participante aprenderá a utilizar essas ferramentas especialmente para sua prática de meditação.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.
Praticas divinatórias no Hinduísmo
Quintas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Apresentar um quadro geral e os conceitos mais importantes sobre algumas práticas divinatórias tradicionais em uso na Índia, com foco no Jyotishshastra (astrologia hindu). Serão discutidas as técnicas e as condições exigidas para esses procedimentos divinatórios, e o aluno será levado a testar por si mesmo as informações astrológicas obtidas pelo método antigo dos indianos.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.
Técnicas ancestrais de meditação
Quintas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: Apresentar de forma sistemática as mais importantes técnicas antigas para auxiliar o processo de meditação, com foco nas práticas indianas. O aluno poderá se servir das informações obtidas para estabelecer uma rotina de meditação adequada ao seu perfil pessoal, e estará capacitado para orientar seus próprios alunos sobre as alternativas existentes. Um diferencial deste curso é o esforço para tornar bastante claro o conceito de meditação. O que se pretende é que o aluno aprenda a praticar, com bom resultado, a meditação.
Duração: Um módulo de três meses - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila
O Yogavishaya de Minanatha - uma síntese do universo do Hatha Yoga
Um estudo dirigido em quatro aulas
Quintas-feiras das 14:00 às 15:30
Objetivo: Dar ao aluno uma visão completa, do conteúdo do texto sânscrito Yogavishaya, de Minanatha. Nessa pequena obra o fundador da linhagem Kaula, e celebrado mestre mítico de Gorakshanatha, faz uma abordagem breve de todo o cenário cultural que dá sustentação ao Hatha Yoga. Vamos abordar cada detalhe da obra estabelecendo conexões com outras obras da tradição do Yoga e da linhagem Natha.
Material de apoio: apostila com a tradução e outras referências.
Todos esses cursos são ministrados em São Paulo, cidade onde resido, no Instituto Narayana - cujo telefone é (11) 3826.5549.
Como você pode ver, cada vez mais a Índia invade as minhas tardes...
Esse mergulho preparatório não acontece apenas durante o planejamento de um curso ou de um período de um curso, mas também se repete diariamente nas horas ou minutos que antecedem a aula. Às vezes me flagro consultando uma obra que está muito além do conteúdo previsto para o curso que estou dando, simplesmente porque ela pode oferecer algum "insight" que talvez enriqueça as aulas e estimule o interesse de meus alunos. Acredito que isto seja uma doença que acomete qualquer professor que esteja de fato intencionado para promover o aprendizado de seus pupilos.
O estudante de Yoga, Sânscrito ou de Cultura da Índia em geral é uma jóia preciosa, pois procura os cursos movido por um interesse autêntico por aprender. Não é justo frustar esse seu desejo e desperdiçar a imensa energia que ele coloca em seu esforço por entender informações que vieram de tão longe...
Mas meu foco, aqui, é revelar esse segredinho que os professores prazeirosamente confessam, com relação ao seu trabalho. O professor aprende muito mais do que os seus alunos, antes, durante e depois das aulas. Poderíamos até forçar um pouco mais o argumento e sugerir que o melhor professor pode estar sendo motivado por um profundo egoísmo, ao dar as suas melhores aulas - simplesmente porque ele estará desfrutando do maior benefício, e aprendendo muito mais do que está ensinando, enquanto seus alunos inocentemente se consideram os maiores beneficiários naquele momento. Isso quer dizer que os melhores cursos, pela perspectivas dos alunos, são máquinas de tranformar professores em gênios iluminados...
Pois é. Como eu sou um sujeito extremamente egoista, decidi preencher algumas tardes dando aulas sobre alguns assuntos de que gosto muito. E espero que você participe ou passe a informação adiante, pois assim estará me ajudando a criar condições para que eu mesmo me torne um verdadeiro iluminado. Veja os assuntos:
Desvendando os nomes dos asanas
Segundas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: dar ao aluno noções extensivas sobre o significado dos nomes de cada um dos asanas, bem como sua pronuncia e grafia corretos. Alguns outros termos da prática de Yoga também serão abordados no curso.
Duração: três módulos seqüenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Referência básica: "Manual das 84 Posturas"
Yantras e Mantras - ferramentas tântricas para o Yoga
Segundas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Oferecer introdução às técnicas de ativação do corpo e da mente por meio de diagramas mágicos (yantras) e do uso de mantras. Também será ministrado o suporte teórico e a inserção histórica dessas técnicas dentro da tradição do Hinduísmo. O participante aprenderá a utilizar essas ferramentas especialmente para sua prática de meditação.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.
Praticas divinatórias no Hinduísmo
Quintas-feiras das 15:30 às 17:00
Objetivo: Apresentar um quadro geral e os conceitos mais importantes sobre algumas práticas divinatórias tradicionais em uso na Índia, com foco no Jyotishshastra (astrologia hindu). Serão discutidas as técnicas e as condições exigidas para esses procedimentos divinatórios, e o aluno será levado a testar por si mesmo as informações astrológicas obtidas pelo método antigo dos indianos.
Duração: dois módulos sequenciais de quatro meses cada um - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila.
Técnicas ancestrais de meditação
Quintas-feiras das 17:00 às 18:30
Objetivo: Apresentar de forma sistemática as mais importantes técnicas antigas para auxiliar o processo de meditação, com foco nas práticas indianas. O aluno poderá se servir das informações obtidas para estabelecer uma rotina de meditação adequada ao seu perfil pessoal, e estará capacitado para orientar seus próprios alunos sobre as alternativas existentes. Um diferencial deste curso é o esforço para tornar bastante claro o conceito de meditação. O que se pretende é que o aluno aprenda a praticar, com bom resultado, a meditação.
Duração: Um módulo de três meses - com uma aula semanal.
Material de apoio: apostila
O Yogavishaya de Minanatha - uma síntese do universo do Hatha Yoga
Um estudo dirigido em quatro aulas
Quintas-feiras das 14:00 às 15:30
Objetivo: Dar ao aluno uma visão completa, do conteúdo do texto sânscrito Yogavishaya, de Minanatha. Nessa pequena obra o fundador da linhagem Kaula, e celebrado mestre mítico de Gorakshanatha, faz uma abordagem breve de todo o cenário cultural que dá sustentação ao Hatha Yoga. Vamos abordar cada detalhe da obra estabelecendo conexões com outras obras da tradição do Yoga e da linhagem Natha.
Material de apoio: apostila com a tradução e outras referências.
Todos esses cursos são ministrados em São Paulo, cidade onde resido, no Instituto Narayana - cujo telefone é (11) 3826.5549.
Como você pode ver, cada vez mais a Índia invade as minhas tardes...
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
Riqueza e miséria
Há um fenômeno curioso que se passa com quem visita a Índia. O viajante que ali aporta experimenta, em um prazo muito curto, uma paixão muito intensa ou uma aversão insuportável em relação àquele país. Difícil saber a razão, mas difícil também encontrar alguém que simplesmente não se importe com a Índia, depois de conhecê-la.
É claro que cada um terá suas razões pessoais para explicar os sentimentos que experimenta. Um foi até lá iludido por folhetos de turismo, e se ofendeu com a pobreza de grande parcela da população indiana. Sonhou com os palácios das histórias de Aladin e acordou numa palafita de mangue. Outro foi em busca de um mestre espiritual e encontrou mestres e deuses em profusão, num território dominado pela mística e pela religiosidade. Para quem enxergou a pobreza, chamo a atenção para o que segue. A população indiana é muito grande - mais de um bilhão de pessoas para dividir o bolo modesto oferecido pela economia nacional. Não há distribuição de renda que melhore a situação econômica de tanta gente. No entanto, existe uma diferença de qualidade entre a pobreza que conhecemos no Brasil e a pobreza que encontramos na Índia: o pobre brasileiro gostaria de ser rico; e o indiano não se importa. A Tradição é o grande diferencial dos indianos em relação à nossa população. A Índia traça suas origens a mitos que apontam para datas de milhares ou até milhões de anos atrás. O Brasil começa a contar a sua história a partir de 1822, com Dom Pedro I. Nem mesmo o período colonial é incluido em nossa memória histórica - nós simplesmente ignoramos o que antecedeu a Independência, como se fosse um período obscuro e tumultuado de nossa civilização brasileira. Nós lamentamos a nossa pobreza sentados sobre um barril de puro ouro. Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir, considerando que a maior riqueza de um povo não se mede pelo "produto interno bruto", mas pela cultura que ele for capaz de assimilar e preservar. Ao dar as costas para nosso passado lusitano e celta sacrificamos a grande riqueza dos milênios em favor de uma breve memória contemporânea construída sem qualquer alicerce. O pobre indiano sorri para o visitante estrangeiro movido por uma autêntica felicidade. Ele sabe que muitos de nós estamos ali para admirar a riqueza que cada um deles está ajudando a proteger - pois a cultura só permanece se for vivida em sua totalidade. Por isso eu vejo os pobres indianos como o "Tio Patinhas" das histórias em quadrinhos, deliciosamente mergulhado em suas moedas, dentro da caixa-forte, enquanto os economistas debatem teses acerca de possíveis soluções para a sua miséria.
Ah, como seria bom que o Brasil fosse acometido desse mesmo "flagelo" que açoita as populações pobres da Índia...
É claro que cada um terá suas razões pessoais para explicar os sentimentos que experimenta. Um foi até lá iludido por folhetos de turismo, e se ofendeu com a pobreza de grande parcela da população indiana. Sonhou com os palácios das histórias de Aladin e acordou numa palafita de mangue. Outro foi em busca de um mestre espiritual e encontrou mestres e deuses em profusão, num território dominado pela mística e pela religiosidade. Para quem enxergou a pobreza, chamo a atenção para o que segue. A população indiana é muito grande - mais de um bilhão de pessoas para dividir o bolo modesto oferecido pela economia nacional. Não há distribuição de renda que melhore a situação econômica de tanta gente. No entanto, existe uma diferença de qualidade entre a pobreza que conhecemos no Brasil e a pobreza que encontramos na Índia: o pobre brasileiro gostaria de ser rico; e o indiano não se importa. A Tradição é o grande diferencial dos indianos em relação à nossa população. A Índia traça suas origens a mitos que apontam para datas de milhares ou até milhões de anos atrás. O Brasil começa a contar a sua história a partir de 1822, com Dom Pedro I. Nem mesmo o período colonial é incluido em nossa memória histórica - nós simplesmente ignoramos o que antecedeu a Independência, como se fosse um período obscuro e tumultuado de nossa civilização brasileira. Nós lamentamos a nossa pobreza sentados sobre um barril de puro ouro. Pelo menos é assim que deveríamos nos sentir, considerando que a maior riqueza de um povo não se mede pelo "produto interno bruto", mas pela cultura que ele for capaz de assimilar e preservar. Ao dar as costas para nosso passado lusitano e celta sacrificamos a grande riqueza dos milênios em favor de uma breve memória contemporânea construída sem qualquer alicerce. O pobre indiano sorri para o visitante estrangeiro movido por uma autêntica felicidade. Ele sabe que muitos de nós estamos ali para admirar a riqueza que cada um deles está ajudando a proteger - pois a cultura só permanece se for vivida em sua totalidade. Por isso eu vejo os pobres indianos como o "Tio Patinhas" das histórias em quadrinhos, deliciosamente mergulhado em suas moedas, dentro da caixa-forte, enquanto os economistas debatem teses acerca de possíveis soluções para a sua miséria.
Ah, como seria bom que o Brasil fosse acometido desse mesmo "flagelo" que açoita as populações pobres da Índia...
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